Carlos Eugênio Paz é um dos entrevistados no documentário “Cidadão Boilesen”, premiado como
“melhor filme” no festival “É Tudo Verdade”.
O documentário conta a história de Albert Boilesen, executivo do grupo Ultragás que – segundo
várias testemunhas – colaborou ativamente com o DOI-CODI (aparato de tortura e repressão
montado durante a ditadura militar), e chegou a assistir sessões de tortura.
Como represália, Boilesen acabou morto por um comando da ALN – Ação Libertadora Nacional.
A ALN era uma das organizações de esquerda armada que lutaram contra a ditadura militar no
Brasil.
Carlos Eugênio Paz foi militante da ALN. Na luta armada, ele usava o codinome de “Clemente”.
O “Escrevinhador” entrevistou Carlos Eugênio sobre o envolvimento do “Grupo Folha de S.
Paulo” com o aparato repressivo:
“Houve companheiros que, presos nas mão do DOI-CODI, foram transportados em
carros da Folha ”, disse o ex-guerrilheiro.
“O Grupo Folha apoiou o golpe de estado, financiou e participou diretamente da
repressão e jamais fez autocrítica disso”, acrescentou.
Perguntei a Carlos Eugênio se a ALN planejou alguma ação direta contra a família Frias, na linha
da execução de Boilesen:
“Não (...),mas poderíamos ter chegado a isso, dada a participação direta deles na guerra,
escolhendo o lado da ditadura de direita.”
O envolvimento dos Frias com o DOI-CODI não aparece só nos relatos de ex-militantes.
Em seu livro “Ditadura Escancarada” Élio Gáspari (hoje, curiosamente, colunista da "Folha")
publica (sem grande alarde, porque ele não está aqui para causar constrangimentos à família
Frias) uma informação interessante:
"Carros da empresa [Folha] eram emprestados ao DOI, que os usava como
cobertura para transportar presos na busca de 'pontos' " (p. 395).
Podem checar: a frase está lá no livro do Gáspari.
Os Frias nunca negaram o fato. Fingem-se de mortos. Talvez, não seja mais suficiente.
Até porque, daqui a pouco pode aparecer alguém pra fazer um documentário sobre o “Cidadão
Frias”. Material e testemunhas não faltam.
(a seguir, a íntegra da entrevista com Carlos Eugênio Paz, feita por e-mail)
1) Durante o período em que voce esteve à frente da ALN (1970/1972) , soube do envolvimento
direto do grupo "Folha" com a OBAN/DOI-CODI?
O Grupo Folha, que apoiou o golpe de estado de direita de 31 de março de 1964
desde suas primeiras horas - basta ver as manchetes, as reportagens e os
editoriais da Folha de São Paulo da época -, colaborou diretamente com a
repressão política.
Carros de suas publicações eram usados para disfarçar investigações e cercos e
chegaram inclusive a transportar companheiros presos para o DOI-CODI.
Agentes da Operação Bandeirantes serviam-se dos carros do grupo para
transitarem sem serem identificados por nós como policiais.
2) A ALN chegou queimar carros da "Folha"? Por quê?
Sim, a Ação Libertadora Nacional queimou vários carros da Folha como
represália à participação do Grupo Folha no financiamento da repressão e o uso
de seus carros na repressão direta.
Ao fazer isso, o Grupo Folha, participando diretamente da guerra, era passível de
sofrer as sanções e as represálias da guerra.
3) A Familia Frias teria se mudado para o prédio do jornal, nos anos 70, temendo represálias dos
grupos de esquerda. ALN chegou a planejar alguma ação contra o jornal ou os Frias?
A ALN não chegou a planejar nenhuma ação desse tipo, mas poderíamos ter
chegado a isso, dada a participação direta deles na guerra, escolhendo o lado da
ditadura de direita.
4) ALN chegou a elaborar lista com nomes dos principais financiadores da OBAN?
Quem estava nessa lista? Alguém ligado à "Folha" constava? Havia provas contundentes?
Sobrou algum documento da organização da época que faça referencia a isso?
A ALN tinha conhecimento de vários financiadores da OBAN.
Entre eles estavam o Sr. Frias, Presidente do Grupo Folha,
o Presidente da Ultragás, Henning Albert Boilesen,
o Presidente do Grupo Ultra, Peri Igel,
o Presidente do Banco Brasileiro de Descontos - Bradesco, Amador Aguiar,
o Presidente da FIESP, Theobaldo de Nigris, que inclusive cedia a sede desta
entidade para reuniões arrecadatórias, e muitos outros.
Havia provas cabais e contundentes.
Uma amostra disso foi o justiçamento de Boilensen, que mesmo na época ficou claro ser um
quadro do sistema repressivo.
Hoje, com o filme "Cidadão Boilesen", de Chaim Litewski, mais ainda.
Como todos sabem, numa luta clandestina pouco se escreve por motivos de segurança, então
evitávamos colocar no papel esse tipo de informação.
Mesmo assim, alguns companheiros às vezes cometiam esse tipo de erro.
Dessa maneira, em alguns aparelhos abandonados às pressas ou tomados pela repressão,
chegaram a cair alguns papéis com nomes dessa lista.
Quando os arquivos do DOI-CODI forem finalmente abertos, a população poderá tomar
conhecimento de muitos fatos como esse.
5) Em seu livro ("Viagem à Luta Armada") , você relata o caso de Solange (militante que foi
torturada na OBAN, sobreviveu, e depois ajudou a reconhecer Boilesen como torturador).
Você lembra de algum militante de esquerda ter dado informações diretas, semelhantes às de
Solange, sobre a presença de carros da "Folha" nas operações da OBAN?
Lembro sim. Houve companheiros que, presos nas mão do DOI-CODI, foram
transportados em carros da Folha.
Assim como fiz no caso da companheira Solange, reservo-me o direito de não citar seus nomes,
por respeito a eles e às normas de segurança.
Quero dizer que compreendo o desejo de sigilo por parte de todos os companheiros da ALN e
sempre o respeitarei.
6) Como avaliou o fato de a "Folha" - que nunca se pronunciou sobre esses episódios nebulosos -
ter se referido à ditadura como "ditabranda", em recente editorial?
O Grupo Folha apoiou o golpe de estado, financiou e participou diretamente da
repressão e jamais fez autocrítica disso.
Aliás, comportamento adotado pela direita brasileira em seu conjunto.
Hoje falam de democracia como se tivessem sido democratas a vida inteira.
Roberto Marinho, por ocasião de seu falecimento, foi saudado como um
democrata, Frias também.
Grupos econômicos que financiaram a repressão hoje saúdam a democracia.
Um dos defensores e redatores do AI-5, o Cel. Jarbas Passarinho,
posa de tolerante e democrata.
Ao mesmo tempo, quando falamos de abrir os arquivos da ditadura, quando pedimos os corpos
de nossos desaparecidos para que suas famílias possam enfim chorá-los e descansar, quando
queremos saber como esses assassinatos foram perpetrados, muitas vozes se levantam nos
acusando de revanchistas.
O Grupo Folha está, quando fala de "ditabranda" , onde sempre esteve, à
direita da sociedade, e defende a ditadura.
Talvez eles achem que se devesse, na época, ter cometido ainda mais e mais graves crimes
contra o povo brasileiro.
* A ALN foi comandada por Carlos Marighella até 1969 – quando o legendário militante
comunista foi morto numa emboscada na alameda Casa Branca, em São Paulo.
No lugar dele, assumiu Joaquim Câmara Fereira, o “Toledo” – que também morreu (sob
tortura), em 1970.
Marighella e Toledo eram velhos militantes, formados na escola do Partidão.
Romperam com o PCB e lançaram-se à luta armada nos anos 60.
Mas sempre foram quadros políticos, mais do que quadros militares.
Depois da morte dos dois, a ALN passou a ser comandada por uma geração que já entrara na
militância de armas na mão.
Carlos Eugênio Paz fazia parte dessa geração
. Quem quiser saber um pouco mais sobre a história de Carls Eugênio/Clemente pode ler:
- “Viagem à Luta Armada”, relato autobiográfico de Carlos Eugênio (Editora BestBolso);- ou
“Clemente" , de Denise Rollemberg – trata-se de um dos capítulos do livro “Perfis
Cruzados” (Editora Imago) , obra organizada por Beatriz Kushnir.
publicada sexta, 17/04/2009 às 16:10 e atualizado sexta, 17/04/2009 às 16:15
“melhor filme” no festival “É Tudo Verdade”.
O documentário conta a história de Albert Boilesen, executivo do grupo Ultragás que – segundo
várias testemunhas – colaborou ativamente com o DOI-CODI (aparato de tortura e repressão
montado durante a ditadura militar), e chegou a assistir sessões de tortura.
Como represália, Boilesen acabou morto por um comando da ALN – Ação Libertadora Nacional.
A ALN era uma das organizações de esquerda armada que lutaram contra a ditadura militar no
Brasil.
Carlos Eugênio Paz foi militante da ALN. Na luta armada, ele usava o codinome de “Clemente”.
O “Escrevinhador” entrevistou Carlos Eugênio sobre o envolvimento do “Grupo Folha de S.
Paulo” com o aparato repressivo:
“Houve companheiros que, presos nas mão do DOI-CODI, foram transportados em
carros da Folha ”, disse o ex-guerrilheiro.
“O Grupo Folha apoiou o golpe de estado, financiou e participou diretamente da
repressão e jamais fez autocrítica disso”, acrescentou.
Perguntei a Carlos Eugênio se a ALN planejou alguma ação direta contra a família Frias, na linha
da execução de Boilesen:
“Não (...),mas poderíamos ter chegado a isso, dada a participação direta deles na guerra,
escolhendo o lado da ditadura de direita.”
O envolvimento dos Frias com o DOI-CODI não aparece só nos relatos de ex-militantes.
Em seu livro “Ditadura Escancarada” Élio Gáspari (hoje, curiosamente, colunista da "Folha")
publica (sem grande alarde, porque ele não está aqui para causar constrangimentos à família
Frias) uma informação interessante:
"Carros da empresa [Folha] eram emprestados ao DOI, que os usava como
cobertura para transportar presos na busca de 'pontos' " (p. 395).
Podem checar: a frase está lá no livro do Gáspari.
Os Frias nunca negaram o fato. Fingem-se de mortos. Talvez, não seja mais suficiente.
Até porque, daqui a pouco pode aparecer alguém pra fazer um documentário sobre o “Cidadão
Frias”. Material e testemunhas não faltam.
(a seguir, a íntegra da entrevista com Carlos Eugênio Paz, feita por e-mail)
1) Durante o período em que voce esteve à frente da ALN (1970/1972) , soube do envolvimento
direto do grupo "Folha" com a OBAN/DOI-CODI?
O Grupo Folha, que apoiou o golpe de estado de direita de 31 de março de 1964
desde suas primeiras horas - basta ver as manchetes, as reportagens e os
editoriais da Folha de São Paulo da época -, colaborou diretamente com a
repressão política.
Carros de suas publicações eram usados para disfarçar investigações e cercos e
chegaram inclusive a transportar companheiros presos para o DOI-CODI.
Agentes da Operação Bandeirantes serviam-se dos carros do grupo para
transitarem sem serem identificados por nós como policiais.
2) A ALN chegou queimar carros da "Folha"? Por quê?
Sim, a Ação Libertadora Nacional queimou vários carros da Folha como
represália à participação do Grupo Folha no financiamento da repressão e o uso
de seus carros na repressão direta.
Ao fazer isso, o Grupo Folha, participando diretamente da guerra, era passível de
sofrer as sanções e as represálias da guerra.
3) A Familia Frias teria se mudado para o prédio do jornal, nos anos 70, temendo represálias dos
grupos de esquerda. ALN chegou a planejar alguma ação contra o jornal ou os Frias?
A ALN não chegou a planejar nenhuma ação desse tipo, mas poderíamos ter
chegado a isso, dada a participação direta deles na guerra, escolhendo o lado da
ditadura de direita.
4) ALN chegou a elaborar lista com nomes dos principais financiadores da OBAN?
Quem estava nessa lista? Alguém ligado à "Folha" constava? Havia provas contundentes?
Sobrou algum documento da organização da época que faça referencia a isso?
A ALN tinha conhecimento de vários financiadores da OBAN.
Entre eles estavam o Sr. Frias, Presidente do Grupo Folha,
o Presidente da Ultragás, Henning Albert Boilesen,
o Presidente do Grupo Ultra, Peri Igel,
o Presidente do Banco Brasileiro de Descontos - Bradesco, Amador Aguiar,
o Presidente da FIESP, Theobaldo de Nigris, que inclusive cedia a sede desta
entidade para reuniões arrecadatórias, e muitos outros.
Havia provas cabais e contundentes.
Uma amostra disso foi o justiçamento de Boilensen, que mesmo na época ficou claro ser um
quadro do sistema repressivo.
Hoje, com o filme "Cidadão Boilesen", de Chaim Litewski, mais ainda.
Como todos sabem, numa luta clandestina pouco se escreve por motivos de segurança, então
evitávamos colocar no papel esse tipo de informação.
Mesmo assim, alguns companheiros às vezes cometiam esse tipo de erro.
Dessa maneira, em alguns aparelhos abandonados às pressas ou tomados pela repressão,
chegaram a cair alguns papéis com nomes dessa lista.
Quando os arquivos do DOI-CODI forem finalmente abertos, a população poderá tomar
conhecimento de muitos fatos como esse.
5) Em seu livro ("Viagem à Luta Armada") , você relata o caso de Solange (militante que foi
torturada na OBAN, sobreviveu, e depois ajudou a reconhecer Boilesen como torturador).
Você lembra de algum militante de esquerda ter dado informações diretas, semelhantes às de
Solange, sobre a presença de carros da "Folha" nas operações da OBAN?
Lembro sim. Houve companheiros que, presos nas mão do DOI-CODI, foram
transportados em carros da Folha.
Assim como fiz no caso da companheira Solange, reservo-me o direito de não citar seus nomes,
por respeito a eles e às normas de segurança.
Quero dizer que compreendo o desejo de sigilo por parte de todos os companheiros da ALN e
sempre o respeitarei.
6) Como avaliou o fato de a "Folha" - que nunca se pronunciou sobre esses episódios nebulosos -
ter se referido à ditadura como "ditabranda", em recente editorial?
O Grupo Folha apoiou o golpe de estado, financiou e participou diretamente da
repressão e jamais fez autocrítica disso.
Aliás, comportamento adotado pela direita brasileira em seu conjunto.
Hoje falam de democracia como se tivessem sido democratas a vida inteira.
Roberto Marinho, por ocasião de seu falecimento, foi saudado como um
democrata, Frias também.
Grupos econômicos que financiaram a repressão hoje saúdam a democracia.
Um dos defensores e redatores do AI-5, o Cel. Jarbas Passarinho,
posa de tolerante e democrata.
Ao mesmo tempo, quando falamos de abrir os arquivos da ditadura, quando pedimos os corpos
de nossos desaparecidos para que suas famílias possam enfim chorá-los e descansar, quando
queremos saber como esses assassinatos foram perpetrados, muitas vozes se levantam nos
acusando de revanchistas.
O Grupo Folha está, quando fala de "ditabranda" , onde sempre esteve, à
direita da sociedade, e defende a ditadura.
Talvez eles achem que se devesse, na época, ter cometido ainda mais e mais graves crimes
contra o povo brasileiro.
* A ALN foi comandada por Carlos Marighella até 1969 – quando o legendário militante
comunista foi morto numa emboscada na alameda Casa Branca, em São Paulo.
No lugar dele, assumiu Joaquim Câmara Fereira, o “Toledo” – que também morreu (sob
tortura), em 1970.
Marighella e Toledo eram velhos militantes, formados na escola do Partidão.
Romperam com o PCB e lançaram-se à luta armada nos anos 60.
Mas sempre foram quadros políticos, mais do que quadros militares.
Depois da morte dos dois, a ALN passou a ser comandada por uma geração que já entrara na
militância de armas na mão.
Carlos Eugênio Paz fazia parte dessa geração
. Quem quiser saber um pouco mais sobre a história de Carls Eugênio/Clemente pode ler:
- “Viagem à Luta Armada”, relato autobiográfico de Carlos Eugênio (Editora BestBolso);- ou
“Clemente" , de Denise Rollemberg – trata-se de um dos capítulos do livro “Perfis
Cruzados” (Editora Imago) , obra organizada por Beatriz Kushnir.
publicada sexta, 17/04/2009 às 16:10 e atualizado sexta, 17/04/2009 às 16:15
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