Foto: Irmã Geralda Magela da Fonseca, de 47 anos, vive foragida há pelo menos um mês, contando apenas com a proteção dos amigos.
Um calafrio percorreu o corpo franzino da religiosa quando uma voz masculina previu um destino
trágico para ela: “Você só vai parar quando acontecer com você o mesmo que aconteceu com a
irmã Dorothy Stang” (missionária americana naturalizada brasileira, da Comissão Pastoral da
Terra, que lutava ao lado de comunidades de Anapu (PA) pela reforma agrária, assassinada aos
73 anos em uma emboscada).
Tem sido assim, marcados pelo terror, perseguições e ameaças, os últimos três anos da vida da
irmã dominicana da Congregação Romana de São Domingos Geralda Magela da Fonseca, de 47
anos, ou irmã Geraldinha, que luta ao lado de 85 famílias de sem-terra no município de Salto da
Divisa, no Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais pobres do mundo.
Há pelo menos um mês, irmã Geraldinha vive como foragida. Deixou a cidade e nunca sabe onde
vai dormir para tentar driblar seus algozes, que a ameaçam desde 2006.
Como proteção, conta apenas com a ajuda de amigos e de Deus.
A polícia afirma que, até que fique comprovada a veracidade das ameaças registradas em vários
boletins de ocorrências, não pode fazer nada.
Foi assim também com a irmã Dorothy, que recebeu inúmeras ameaças até que sua luta foi
encerrada com seis tiros: um na cabeça e cinco no corpo.
Apesar da imensa fé, irmã Geraldinha confessa que vive hoje com medo e admite que são muitas
as semelhanças de sua luta com a missionária Dorothy, mas, independentemente do risco,
garante que vai retornar ao acampamento na Fazenda Manga do Gustavo, vizinha à Fazenda
Monte Cristo, pertencente à Fundação Tinô Cunha, que está em processo de desapropriação.
A área já foi considerada improdutiva, mas o processo nº 54170003519/2005-30, para
desapropriação, ainda se arrasta na burocracia federal e faz com que o clima fique ainda mais
tenso na região, que tem como característica os grandes latifúndios.
Perseguição
Com pouco mais de 1,5 metro e 42 quilos, cabelos presos por uma longa trança, irmã Geraldinha
se defende como pode. Além de não ter paradeiro certo, não sai desacompanhada e trocou o chip
do celular.
A sua indignação, no entanto, é inversamente proporcional ao corpo frágil. “Deixei o
acampamento porque não suportava mais tantos telefonemas ameaçadores. Vou voltar sim e em
breve. Com minha saída, as famílias estão enfrentando uma pressão ainda maior e não podem
desistir da luta”, afirma.
Segundo a religiosa, a ocupação da Manga do Gustavo foi feita por 185 famílias, mas o terror e a
espera de mais de três anos fizeram com que cerca de 100 desistissem.
Irmã Geraldinha afirma que o cerco a ela se fechou ainda mais a partir da eleição do atual
prefeito,
Ronaldo Cunha Peixoto (DEM),
que teria vínculo com a Fundação Tinô da Cunha, proprietária da fazenda.
“Já escapei de duas emboscadas, porque fui avisada a tempo por pessoas que perceberam uma movimentação diferente na estrada que dá acesso ao acampamento.
Da mesma forma, fui avisada que, no dia 29, estava sendo procurada por forasteiros em um Celta preto, com vidros escuros, que não eram da cidade”, relata.
Foi essa perseguição intensa que fez com que a religiosa deixasse a região.
Para fugir do cerco, a religiosa conta que se disfarçou para deixar o acampamento, onde estava
sendo aguardada por desconhecidos. “Tinha acabado de chegar quando fui avisada que
desconhecidos procuravam por mim. Assim, aproveitei que estava chovendo e me disfarcei com
várias peças de roupa, que me deram uma aparência de uma pessoa mais gorda”, relembra.
Para deixar o lugar, diz que foi providenciada uma moto e usou como rota de fuga picadas
abertas em terrenos da região. “De novo, consegui sair ilesa, mas até quando?”, indaga,
mostrando um documento elaborado pela CPT que traz a macabra relação de ocorrências e
ameaças sofridas pela religiosa.
Maria Clara Prates - Estado de Minas Publicação: 23/11/2009 06:49
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