Para ela, entender a comunicação como um direito significa entender a possibilidade de cada cidadão não só ter acesso à informação, mas também ter condições para produzir conteúdo e veicular ideias nos meios de comunicação de massa, tendo em vista que a liberdade de expressão de cada um só vai se dar de forma plena se passar também pelos meios de comunicação.
Qual a importância do processo de construção da Conferência Nacional de Comunicação e que resultados você espera dela?
O governo exigiu que a sociedade civil empresarial participasse desse processo como um setor organizado destacado dos demais setores. O setor empresarial entrou na discussão de forma muito organizada para defender os seus interesses, que, na maioria dos casos, significa defender que a situação continue como está hoje.
Para garantir a permanência da sociedade civil empresarial nesse processo, os demais setores foram obrigados a ceder muito. Eles exigiram participar dessa Conferência impondo termos que determinariam desde a temática, os assuntos que podiam ou não ser discutidos, até uma representação de 40% na etapa final da Conferência.
Impuseram também o quorum qualificado para a aprovação de propostas que tocassem em questões mais sensíveis na etapa final. A última exigência, que, infelizmente, foi aceita sem resistência por parte da sociedade civil na Comissão Organizadora Nacional, foi tirar o poder de votação das propostas nos estados. Assim, todas as propostas que forem discutidas nas etapas estaduais serão levadas para Brasília.
Essas diversas imposições que foram feitas pelos empresários modificam bastante o caráter democrático da conferência. Por conta disso, não temos uma expectativa muito grande em relação ao que possa vir a ser aprovado na etapa nacional, apesar de já considerarmos a Conferência Nacional de Comunicação vitoriosa justamente por esse processo de organização e a mobilização das entidades que lutam pela democratização da mídia e de outros setores que passaram a discutir essa pauta também. Isto é uma grande conquista e é nisso que nós estamos apostando nesse momento.
A regulação do mercado midiático é freqüentemente confundida com censura. Como esta questão é trabalhada pelo Intervozes?
Esse é um dos grandes desafios, inclusive da Conferência. Para grande parte da sociedade brasileira, colocar regras para o funcionamento do setor de comunicação significa comprometer a liberdade de imprensa.
Na verdade, quando se fala em regulamentar o setor de comunicação significa garantir que ele funcione com base no interesse público, e não com base no interesse de poucos grupos privados ou do Estado. Todos os setores precisam de regras para funcionar. A comunicação no Brasil tem um marco regulatório atrasado, da década de 1960, que não dá conta dos desafios da convergência tecnológica.
Uma proposta que nós defendemos e a sociedade civil não-empresarial irá levar para a Conferência de Comunicação é a criação de órgãos reguladores que possam dar conta de acompanhar e administrar não só a questão da estrutura da propriedade dos meios de comunicação, mas também acompanhar a questão do conteúdo, que vai além do universo da publicidade, para que a gente consiga, também, dar conta de cumprir com o que a nossa própria constituição estabelece: a garantia da veiculação da pessoa negra, da produção independente, de um conteúdo que tenha como finalidade prioritária questões educativas, informativas, artísticas, etc.
Nós não podemos esquecer, também, que é importante fazer uma regulação do funcionamento da TV inclusive para proteger direitos de grupos marginalizados ou vulneráveis, como é no caso das crianças e dos adolescentes.
Se você não regula um setor, vira a lei do mais forte e para você garantir que o setor funcione com base no interesse público precisa-se de um espaço democrático e para tanto a regulação é necessária. É justamente isso que nós defendemos.
Quais seriam os modelos de financiamento alternativos ao modelo das TV’s comerciais?
Podemos pensar diferentes fontes de recursos, desde o orçamento da União e dos estados até a taxação da publicidade que é veiculada nos meios comerciais, como acontece em vários países, para a criação de um fundo, com o objetivo de promover e fortalecer a comunicação pública e a comunicação comunitária. Seria um modelo diferente de financiamento e a garantia de que não é o mercado que dá as regras em relação ao conteúdo que vai ser veiculado nessas emissoras.
Países com uma democracia mais avançada que a nossa possuem sistema públicos de comunicação fortes. Estamos falando da França, da Inglaterra, da Alemanha, e também países vizinhos ao Brasil, que, agora, começam a dar exemplos em relação a isso. A Argentina acaba de aprovar uma lei para reservar um terço do espectro da televisão aberta para os canais públicos, outros países aqui da América do Sul estão aprovando leis semelhantes.
Vale ressaltar a necessidade de assegurar a complementaridade dos três sistemas - público, privado e estatal - e fortalecer prioritariamente o sistema público.
Qual a importância que você atribui à sua participação na rede de trabalho do Projeto Criança e Consumo?
Eu participo da rede de trabalho representando o Intervozes. Para nós, o trabalho do Instituto Alana em relação a esse debate sobre o consumo e sobre a publicidade veiculada para as crianças é fundamental e tem tudo a ver com essa defesa da comunicação como um direito.Participar dessa rede de trabalho significa não só contribuir um pouco com as decisões que a gente faz no coletivo e no Brasil, mas significa trazer um pouco dessa discussão para essa rede de trabalho e aprender muito com as outras organizações e outras pessoas que participam dela.
Um trabalho como o do Instituto Alana, que foca a sua atuação numa questão estratégica e estruturante do funcionamento da comunicação, como é o caso da publicidade e da proteção dos direitos da criança, é fundamental para a transformação da sociedade.
Essa parceria e a construção dessa rede é bastante importante para essa luta maior que queremos fazer pela transformação da sociedade.
24/11/2009 Bia Barbosa é jornalista e integrante do Conselho Diretor do Intervozes, coletivo que atua em defesa da comunicação como direito humano fundamental e da democratização da mídia
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