Um corredor estreito de paredes azulejadas, um lance curto de escadas ocupado parcialmente por uma oferenda budista, e uma porta se abre.
Em meio à penumbra recortada por faixas de néon colorido, uma mulher na casa dos 50 e jeito de dona de casa recebe o potencial cliente com uma calculadora na mão. É ele, o pequeno aparelho de números gastos, que traduzirá a negociação prestes a começar.
Estamos no andar superior de um pequeno sobrado de Patpong, principal área de prostituição de Bancoc. A capital da Tailândia, conhecida por seus templos, budas gigantes e exuberantes palácios, também atrai milhares de pessoas todos os anos pela fama, em todo o mundo, de capital do turismo sexual.
Apressadas por frases curtas disparadas pela recepcionista, sete meninas saídas de um cômodo interno atravessam uma cortina e se aninham nos dois andares de uma pequena arquibancada acarpetada. Aparentam 20, 22 anos no máximo.
A mistura de perfumes rapidamente se confunde com o cheiro de álcool gel que dominava o ambiente, lembrete da gripe suína.
Com seu inglês escasso e alguma pantomima, a recepcionista explica os serviços e usa a calculadora para informar os preços: 2.000 bahts o período "curto" (três horas, R$ 112) e 3.000 o "longo" (a noite inteira, R$ 170).
Impaciente com a demora na escolha, ela chama uma das meninas para uma avaliação mais de perto. A número oito se levanta, dá cinco passos até o sofá em semicírculo, junta as palmas das mãos na tradicional saudação budista e senta-se colada no interessado.
Veste um microvestido vermelho e se esforça para manter um olhar sexy, mas o ar é juvenil. O cliente, homem de poucas palavras e cerca de 60 anos, de algum país árabe, pergunta a idade da moça. A resposta, mais uma vez, é digitada na calculadora: 17. Negócio fechado.
Com variações de preço e tratamento, esse é o método mais comum do mercado sexual da Tailândia. Bancoc é o maior centro, mas a prostituição também é intensa em outras partes do país, sobretudo em suas ilhas paradisíacas.
Na capital, além de Patpong, duas outras áreas concentram o turismo, Nana e Soi Cowboy, com bares, saunas, karaokês e casas de massagem exclusivamente usados por estrangeiros.
Comércio e sobrevivência
Embora ilegal, a prostituição na Tailândia gera renda de até US$ 27 bilhões [R$ 48 bilhões] por ano, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), e é apadrinhada por algumas das personalidades mais poderosas do país.
Grandes empresários com boas ligações no poder controlam bares, boates e casas de massagem repletas de jovens --a maioria forçada pela pobreza a deixar o norte rural para ganhar a vida em Bancoc.
O dinheiro que recebem dos estrangeiros em troca de sexo sustenta milhares de famílias. A OIT estima que as remessas cheguem a US$ 300 milhões por ano, um volume que muitas vezes supera os programas de assistência oficiais.
"Meninas acima de 25 já começam a ser consideradas velhas. Preciso faturar enquanto posso", diz Nut, 20 anos, depois de oferecer uma "soapy" (massagem com sabão) "com tudo" por 1.500 bahts. "Meus pais não sabem o que faço, mas contam com o dinheiro que mando toda semana para [que possam] comer."
Vestidas com trajes minúsculos de marinheira em que mal cabem as etiquetas com o número que as identifica, Nut e outras duas meninas servem de isca para os estrangeiros que passam na porta da boate "Doll House", a mais conhecida na fileira de bares de Soi Cowboy.
Saa, 18, conta que há dois anos deixou sua cidade, quase na fronteira com o Laos, depois que o pai adoeceu, ficando impossibilitado de sustentar os seis filhos no cultivo de arroz. Prefere os estrangeiros mais velhos, "que têm mais dinheiro e dão menos trabalho".
Dentro da boate, europeus de 25 a 70 anos formam a maioria do público. Há ainda indianos, russos e australianos. Peter, advogado inglês de 41 anos, é um dos mais animados.
"Minha primeira viagem à Tailândia, há uns quatro anos, foi a trabalho. Mas, depois que descobri as mulheres tailandesas, só passo as férias aqui", diz ele, enquanto balança a dose de uísque tailandês com uma das mãos e acaricia a coxa de uma jovem de biquíni com a outra.
Apesar da fama de seus fervilhantes centros de diversão adulta, pela facilidade em obter sexo pago e pela lendária hospitalidade de suas profissionais, a Tailândia está longe de ser um bordel a céu aberto.
Só uma pequena parte da população atua no setor: a maioria das mulheres está na indústria têxtil, onde trabalha até 16 horas por dia, dorme no trabalho ou em favelas na periferia da capital e nunca ganha mais de R$ 300 por mês.
Fora das áreas de prostituição, em Bancoc o flerte é discreto e o assédio obedece ao nível de interesse demonstrado pelo cliente.
No saguão de desembarques do aeroporto internacional de Suvarnabhumi, é preciso olho clínico para detectar algum vestígio do festival de excessos que é marca registrada da cena erótica local.
Mas a oferta começa no percurso de táxi do aeroporto até o centro. Enquanto uma pequena TV de tela plana exibe um show do guitarrista Santana, o motorista mostra folhetos de casas de massagens. Em qualquer viagem de táxi ou tuc-tuc (triciclo), a proposta é quase inevitável quando os passageiros são estrangeiros do sexo masculino. E eles são muitos.
A Tailândia recebe anualmente cerca de 15 milhões de visitantes do exterior, três vezes mais do que o Brasil. Seis em cada dez são homens, muitos em busca de sexo fácil e barato. Um deles foi Frédéric Mitterrand, ministro da Cultura da França, que numa autobiografia de 2005 ["La Mauvaise Vie", A Vida Má, ed. Robert Laffont, 360 págs., 2005, 20 euros, R$ 52) contou ter pago para fazer sexo com "jovens garotos" no país.
A confidência, que recentemente gerou polêmica e pressão política para que Mitterrand renunciasse, também jogou luz sobre as motivações dos turistas sexuais.
"A abundância de jovens garotos muito atraentes e imediatamente disponíveis me coloca em um estado de desejo que já não preciso esconder", escreveu o sobrinho do ex-presidente François Mitterand (1981-95). "A moral ocidental, a culpabilidade de sempre, a vergonha que arrasto somem."
MARCELO NINIO enviado especial da Folha a Bancoc
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