segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O MAIS DIFICIL É LEVANTAR DA CAMA

Diagnosticado com Parkinson há 19 anos, o ator Michael J. Fox criou uma fundação para pesquisar a doença e lança no Brasil o livro “Um Otimista Incorrigível” Fred R. Conrad/The New York Times

O ator canadense, que afirma encarar a doença como se fosse um presente .

Um homem de sorte. Por estranho que possa parecer, é assim que se define o ator canadense Michael J. Fox, 48, à Folha por telefone de seu escritório, em Nova York.Com Parkinson há 19 anos, ele fala enrolado e rápido, mas isso não chega a afetar seu raciocínio lógico.“Acho que ser diagnosticado com Parkinson foi um presente. As pessoas se assustam com essa afirmação. Digo que é um presente que sempre toma algo de você. Mas foi o que me deu a chance de fazer a diferença.”Ele explica que, se não fosse pela doença, não teria criado a Fundação Michael J. Fox, que financia pesquisadores a descobrir a cura para o Parkinson. Neste ano, a iniciativa arrecadou mais de US$ 20 milhões.Quando começa a entrevista, já passou o período mais crítico de seu dia: a hora de levantar. Ainda bem. A falta de medicação no seu organismo poderia causar uma perda de controle dos movimentos que impossibilitaria a conversa.

“Um Otimista Incorrigível” (R$ 29,90; 256 págs.), livro que lança no Brasil pela editora Planeta, também se inicia com o relato de uma manhã (veja trechos do livro ao lado).O momento de acordar é emblemático de como têm sido os últimos dez anos de sua vida. “Levantar da cama é a parte mais difícil do meu dia. Descubro logo que acordo como vai ser todo o resto do meu dia. Se acordo tremendo muito, já posso dizer que vai demorar para me ajustar”, conta.Atividades de que nem nos damos conta, como caminhar até o banheiro ou calçar os chinelos, são esforços que ele tem de completar antes de os remédios fazerem efeito.Há dias bons e outros nem tanto. “Vou levando dia a dia. Ao tomar os remédios, os sintomas diminuem e me sinto bem. Mas tenho de aceitar que isso não é natural. A medicação me dá uma falsa realidade. Gosto disso, mas não é como meu cérebro trabalha. Penso que é o que me ajuda a levar a vida e a agradecer pelo que tenho.”O título da edição brasileira perde a piada do original, “Always Looking Up” (sempre olhando para cima), em que ele faz piada de sua baixa estatura, mas mantém a aura positiva com que encara o Parkinson.É o segundo livro em que Fox trata de suas memórias, embora “Lucky Man” ainda não tenha sido lançado aqui. “Os dois livros tratam de como sua vida pode mudar de repente. Essa virada pode ser boa, mesmo que seja assustadora. Pode te ajudar a crescer.” O segredo.
Nem sempre as coisas foram assim, positivas, para Fox. Ele percebeu os primeiros sintomas em 1991, quando fazia “Uma Receita para o Amor”.

Sua mão tremia muito.Foi diagnosticado, mas demorou sete anos para divulgar a doença ao público. “Foi difícil assimilar tudo aquilo. Queria continuar trabalhando até quando pudesse sem que as pessoas ficassem pensando na doença. Então mantive segredo”, afirma.O Parkinson foi piorando e se tornando óbvio. “Quando você tem uma doença neurológica, chega um momento em que não dá mais para esconder. Já estava mais conformado. É algo que você tem de compreender que não é culpa sua, que não foi resultado de algo que você fez.”A resposta, segundo ele, “foi avassaladoramente encorajadora”. “Não é vergonha estar doente. Quando você aceita isso, consegue seguir adiante.”Fox afirma que muitas pessoas com Parkinson o procuraram depois disso, já que ele era um ídolo desde que explodiu no cinema, em 1985, com a primeira parte da trilogia “De Volta para o Futuro” e “O Garoto do Futuro”. “Virei uma espécie de porta-voz do Parkinson. Principalmente entre os jovens. É assustador aparecer a doença quando você está no auge.”Casado e com quatro filhos, ele também expõe no livro a decisão de abandonar a série “Spin City” (1996-2001). O ator conta que preferiu sair enquanto estava bem, mas que os últimos dias de gravação foram sofridos. Isso porque ele enfiou na cabeça que tinha de chegar ao centésimo episódio, o que o obrigou a emendar uma batelada de horas extras diante das câmeras e atrás delas, porque era responsável pela produção.

Superou as dificuldades e nunca abandonou de vez a televisão.

Desde 2004, tem feito participações especiais em seriados como “Scrubs” e o recente “Rescue Me”, em que interpretou um paraplégico. “Foi um desafio porque a doença me faz tremer muito, e ele tinha de ficar parado. Dwight era um cara terrível, sempre gritando e com raiva. Foi interessante, porque as pessoas sempre comentam como eu sou positivo e feliz. Visitei o lado negro.”Embora não sinta necessidade de estar nos holofotes, diz que volta a trabalhar “quando as condições forem boas”. “Embarquei em programas dos meus amigos. Eles sabem do que eu preciso, do tempo extra que eu levo para gravar e escrevem para mim. Faço quando acho que vai ser divertido.”Enquanto isso, vai levando o trabalho na fundação. Fox brinca que o sucesso da instituição está ligado ao fato de ele não estar à frente dela. “Só tive que ser esperto o suficiente para achar pessoas mais espertas que eu para administrá-la.”As pesquisas caminham bem, mas lentamente: “Normalmente descobrimos o que não funciona. Mas é um passo importante para eliminar as possibilidades e focar no que resolve.

”Em abril de 2010, lança “A Funny Thing Happened on the Way to the Future”, voltado para os adolescentes. “É engraçado eu dar conselhos aos colegiais, sendo que eu não terminei a escola. Mas você aprende de um jeito ou de outro.”Por exemplo, na decisão “mais difícil de sua vida”: parar de beber. Está sóbrio há 12 anos. O alcoolismo piorou muito quando descobriu o Parkinson. “O jeito que eu lidava com isso era bebendo”, diz ele. “Foi uma muralha que construí para não falar sobre o assunto. Mas foi difícil parar de fazer algo que parecia me proteger de alguma maneira, mesmo torta.”Mas não tem arrependimentos. “Claro que eu poderia ter feito as coisas de outro jeito. Mas minhas decisões ruins normalmente resultaram em algo bom. Se eu mudasse, minha vida seria outra e não troco esta por nada.

É uma bênção.

”É um otimista incorrigível".




Postado por Luis Favre
LÚCIA VALENTIM RODRIGUES – FOLHA SP DA REPORTAGEM LOCAL

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