sábado, 26 de dezembro de 2009

O MERCADO DO LIVRO ELETRÔNICO AVANÇA EM 2009






Novos títulos foram lançados simultaneamente no digital e já há preocupação quanto à pirataria

No início do 2009, editores brasileiros estimavam que o livro eletrônico, conhecido por e-book, levaria no máximo cinco anos para ocupar um espaço de respeito no mercado editorial do País. No final da temporada, porém, as discussões variavam entre nova regulamentação do direito autoral por conta da venda de conteúdo digital e medidas para combater a pirataria eletrônica.
Ou seja, em um ano, o futuro tornou-se mais próximo – o e-book ainda não é um produto fartamente comercializado no Brasil, mas a ferramenta já divulga autores nacionais, como o mais recente policial de Rubem Fonseca, O Seminarista (Ediouro), lançado em novembro tanto na versão tradicional, em papel, como em formato digital para e-book, iPhone e iPod. Também editoras, como a Zahar, começaram a disponibilizar parte de seu acervo aproveitando o surgimento da primeira eBookStore brasileira, a Gato Sabido.
Foi uma temporada de novidades tecnológicas, com o aparecimento de dispositivos de leitura eletrônica, os conhecidos e-readers, da Samsung, Fujitsu, Sony e Amazon, que lançou o já famoso Kindle, pequeno aparelho que, ligado a uma rede Wi-Fi ou a uma conexão USB, tem a capacidade de armazenar uma pequena biblioteca.
Com isso, logo se percebeu uma verdadeira urgência no mercado editorial em inovar com novas formas de conteúdo. Alguns autores pediam novidades – em 2009, ecoaram as palavras ditas por Paulo Coelho na Feira de Frankfurt do ano anterior: “Os livros digitais já reclamam seu espaço”. De fato, na feira deste ano, mais da metade dos participantes confirmou 2018 como o ano da virada, ou seja, quando a obra digital superará a de papel em vendas.
O próprio Coelho liberou, na quinta-feira, algumas obras para serem baixadas gratuitamente. Acertou também um contrato com a Gato Sabido a fim de disponibilizar seus livros no mercado virtual. Lançado em dezembro, o portal fechou parceria com a COOL-ER, maior empresa de e-book da Inglaterra, o que lhe permitirá oferecer cerca de 1,48 milhão de títulos aos internautas brasileiros – 1 milhão do Google Books, 400 mil da COOL-ER e cerca de 80 mil títulos nacionais, a serem negociados ao longo de 2010. A Zahar foi a primeira editora a acertar parceria, disponibilizando cerca de 300 títulos em um lote inicial. Também a editora jurídica Lumen Juris entrou no negócio, oferecendo 100 livros.
O momento é de pressa, especialmente no Brasil onde o alto preço despontou como um refreador (importar um e-reader custa cerca de US$ 520, graças aos impostos). Mas, no início da semana, a Justiça determinou que qualquer leitor eletrônico também conte com a imunidade tributária que recai sobre a importação de livros e revistas – o aparelho vem sendo taxado como eletrônico, cujo imposto chega a 60%, ou seja, exatos US$ 266,32 de taxa. Com isso, é possível esperar que 2010 termine com um boom de vendas no mercado brasileiro.
O que pode reforçar a tese é o surgimento de um e-reader nacional, o Mix Leitor D, desenvolvido no Recife e com previsão de lançamento para junho. E, antes mesmo de ficar pronto, a empresa criadora do produto, a Mix Tecnologia, já conta com 150 mil unidades encomendadas, que é, na verdade, sua capacidade máxima de produção.
O mercado, portanto, prepara-se para uma atualidade digital. E os escritores? Muitos continuam reticentes à nova tecnologia, cientes da perene atração do livro tradicional – as imagens na sobrecapa, as fontes convidativas, o cheiro do papel. Mas outros já pensam nos lucros oferecidos pelas novas ferramentas, como o americano Stephen R. Covey, que transferiu os direitos “digitais” de dois de seus títulos de uma editora tradicional, a Simon & Schuster, para uma nova, digital, a RosettaBooks. Ao noticiar o fato, o jornal The New York Times informou que isso deve “aumentar a grande preocupação já existente entre os editores sobre a economia do mundo do livro digital e pode oferecer aos autores um meio de ter maiores lucros com seus trabalhos do que eles obtêm com o sistema tradicional”.
Também a pirataria de e-books já preocupa as grandes redes, que buscam, entre outras defesas, o estabelecimento de um “selo de
autenticidade”.

Assim, se 2009 termina diferente de como começou, 2010 promete mais surpresas.

Editoras recuperam obras de grandes autores e apostam em literatura ambiciosa, mas colocam best-sellers nas eBookstores


Curiosamente, o advento do e-book brasileiro, marcado pela recente entrada da Zahar no mercado virtual, aparece ligado a uma certa nostalgia literária que fez de 2009 um grande ano para a redescoberta dos clássicos. De alguma maneira, essa retomada parece sugerir que é preciso repensar o imediatismo de uma sociedade que busca na literatura eletrônica, mais voltada aos best-sellers, respostas prontas para seus problemas – função, aliás, que nunca foi dela. Há quem veja no e-book um possível facilitador da leitura, uma vez que oferecerá ao leitor, num futuro próximo, ferramentas para dissecar uma obra literária como se fosse um cadáver. A cada clique do leitor, uma palavra desconhecida ou um nome nunca ouvido poderão ser automaticamente localizados e associados, tornando real a fantasia enciclopédica flaubertiana de Bouvard e Pécuchet.
Enfim, o efeito das telas – do cinema, da televisão e do computador – sobre a literatura começa a aparecer. Basta, por enquanto, lembrar que o desejo de resgatar clássicos da clandestinidade, autores jogados às traças dos sebos, traduz um desejo de integridade que a versão eletrônica dos livros pode vir a ameaçar, considerando o que alguns editores menos escrupulosos já fazem com autores consagrados – e basta citar o exemplo de Ray Bradbury e seu Fahrenheit 451, distopia sobre o futuro do livro em que o mesmo é proibido e queimado pelas autoridades como uma ameaça à sociedade. Bradbury, ironia, acabou vítima da censura – e não foi a estatal. Sua editora americana, temendo “contaminar” os jovens, cortou 75 passagens de Fahrenheit 451.
Suponhamos que um dos clássicos resgatados, o Nobel de Literatura francês André Gide (1869-1951), venha a ser vendido por uma eBookstore (livraria virtual) brasileira – e, mais particularmente, um livro como O Pombo-Torcaz, que a editora Estação Liberdade lançou junto a outros três títulos do escritor neste fim de ano (sendo o mais importante deles Os Moedeiros Falsos). Escrito em 1907, ele ficou um século escondido nos arquivos de Gide, sendo encontrado por sua filha Catherine. Trata-se de um relato pessoal, o da visita do escritor à casa do amigo Eugène Rouart em Bagnols-de-Grenade, onde o autor, já quarentão, se apaixona por um empregado menor de idade. Como a internet verá o livro? Como um texto literário ou uma obra de difusão da pedofilia? A versão eletrônica de O Pombo-Torcaz circulará na íntegra ou censurada?
É uma questão a se pensar. E, voltando um pouco no tempo, o lançamento clássico mais importante da temporada, O Aventuroso Simplicissimus, de Hans J. C. von Grimmelshausen (Editora da Universidade Federal do Paraná), poderia correr o mesmo risco. Bildungsroman com toques satíricos sobre um bufão criado por camponeses e adotado por um eremita durante a Guerra dos 30 Anos (1618-1648), o livro do alemão Grimmelshausen (1625-1676) poderia, por exemplo, correr o risco de ter suprimido um capítulo inteiro (o17 do livro 2) que descreve um sabá diabólico, além de outros em que o vagabundo seduz mocinhas, também ingênuas, como o “pombo” de Gide. Alguém ousaria mutilar o clássico em versão digital? Pode apostar que sim.
Ainda na linha dos relançamentos, por ordem de importância, uma nova tradução (de Irene Aron) do épico Berlin Alexanderplatz foi lançada pela Editora Martins/Martins Fontes justamente quando o mundo lembrou os 80 anos do crash da Bolsa de Nova York em 1929 e o lançamento do clássico de Alfred Döblin no pior momento de recessão alemã. Merece também destaque a primeira tradução brasileira (de Sonia Moreira), de As Aventuras de Augie March (Companhia das Letras), de Saul Bellow, que revolucionou a literatura americana, em 1953, ao lançar seu ousado livro – também sobre a Depressão, mas em Chicago, elegendo um otimista que se transforma num desiludido cínico. Outra boa tradução foi a de Amílcar Bettega para os 125 Contos de Guy de Maupassant, lançada pela mesma editora.
Os escritores russos ocupam cada vez mais espaço nas estantes dos brasileiros. Três lançamentos são incontornáveis: Gente Pobre, livro de estreia de Dostoievski, Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk, de Nikolai Leskov, e o Teatro Completo de Nikolai Gogol, todos lançados pela Editora 34, que tem feito um notável trabalho de tradução (direta) dos clássicos russos. E, por falar neles, outro destaque do ano foi o livro que o acadêmico norte-americano Jay Parini escreveu sobre o último ano de vida de Tolstoi, A Última Estação (Editora Record).
Autores pouco conhecidos do leitor brasileiro foram lembrados pelas editoras. Deles, um nome a guardar é o do irlandês Joseph O”Neill, de Terras Baixas (Alfaguara), poderoso elogio à diversidade – étnica – e à amizade de dois estrangeiros em Nova York. Outro é Richard Ford, que, em O Sal da Terra (Record), volta a usar seu corretor de imóveis Frank como protótipo do homem médio americano às voltas com uma crise familiar.
Ainda menos conhecido é o alemão Ingo Schulze, aposta da Cosac Naify, que vem investindo nos livros desse que é considerado por Günter Grass um renovador da literatura em seu país. Seu Vidas Novas, sem dúvida, é o grande romance sobre a geração que testemunhou a queda do Muro de Berlim, mas não o segregacionismo social na Alemanha. Dois novos autores merecem leitura: o bósnio Sasa Stanisic, de Como o Soldado Conserta o Gramofone, e o dominicano Junot Diaz, de A Fantástica Vida Breve de Oscar Wo, ambos apostas da Record.
Entre os ensaios e estudos, dois ambiciosos projetos foram bancados pela Cosac Naify: A Cultura do Romance, de Franco Moretti, e História do Design Gráfico, de Philip B. Meggs. Merecem ser igualmente lidos títulos como A Literatura em Perigo (Record), de Tzvetan Todorov, Sobre os Escritores (José Olympio), de Elias Canetti, O Teatro da Morte (Perspectiva), de Tadeusz Kantor, e A Cultura e Seu Contrário (Iluminuras), de Teixeira Coelho.
A literatura brasileira foi bem representada por Antonio Carlos Viana (Cine Privê), Bernardo Carvalho (O Filho da Mãe) e Carlos de Brito e Mello (A Passagem Tensa dos Corpos), os três publicados pela Companhia das Letras, além de Beatriz
Bracher (Meu Amor, Editora 34), Carlito Azevedo (Monodrama, Editora 7 Letras), Mário Sabino (A Boca da Verdade, Record), Manoela Sawitski (Suíte Dama da Noite, Record) e Ronaldo Correia de Brito (Galileia, Alfaguara).

Postado por Luis Favre

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