


A cidade era pacata, tinha poucos moradores, quase nenhum trânsito e mínimas opções de lazer. Era difícil ocupar o tempo e encontrar diversão durante o dia e à noite. Mas, para algumas dezenas de rapazes, esse era o contexto ideal para animados encontros e brincadeiras. Eles estavam em Belo Horizonte, na primeira metade do século passado. Eles moravam em um dos bairros mais nobres da jovem capital, o Bairro Funcionários, e tinham um ponto de encontro, a Praça Diogo de Vasconcelos, no coração da atual Savassi – área que só tem esse nome graças a um estabelecimento comercial inaugurado em 1940: a Padaria e Confeitaria Savassi. Os jovens formavam a “Turma da Savassi”, nome que veio dos encontros que faziam em frente à padaria, que vai completar 70 anos em 2010, acontecimento que não vai passar em branco pelos antigos membros do grupo.
O aniversário será comemorado com festa no local onde começaram todas as reuniões, a Praça da Savassi. Será no dia 20 de março de 2010, um sábado – apesar de a padaria ter sido inaugurada no dia 15 de março – para facilitar a vida de todos. Várias atrações estão sendo programadas, conforme o organizador do evento, o compositor Pacífico Mascarenhas, um dos membros da turma. Entre elas, encontro de carros antigos, show de Milton Nascimento. Com participação de Lô Borges e Fernando Brant, missa e, ao fim serenata como nos velhos tempos, em cima de um caminhão, com piano. O encerramento será incrementado pela participação do cantor Agnaldo Timóteo, que vai se apresentar sobre o veículo.
As serenatas eram umas das façanhas que os rapazes da “Turma da Savassi” realizavam. Eles saíam pelas ruas da região cantando para chamar a atenção das moças. De acordo com Pacífico, os “cantores”, geralmente, eram ele, Alceu Torres, Rui Franca e José Guimarães. Os outros iam seguindo a cantoria, fazendo coro. As músicas eram variadas, mas algumas foram feitas por eles. “A gente escrevia o que tinha vontade de falar para a namorada e não tinha coragem”. “Por exemplo, se eu tivesse coragem de dizer que te amo”, lembra.
Outro membro da turma, o advogado aposentado Aluízio Mendes Campos, 77 anos, irmão do escritor Paulo Mendes Campos, lembra que as moças pensavam que a serenata estava na rua e chegavam às janelas para olhar para baixo, vestidas de camisolas, e se assustavam ao ver que os galanteadores estavam lá no alto, em cima do caminhão. Danilo Savassi, filho de um dos fundadores da Padaria Savassi, lembra que ele e os amigos já fizeram o cortejo até em uma “assistência” – ambulância nos dias de hoje.
A “Turma da Savassi” agitou a região entre os anos 30 e final da década de 60. Depois, os jovens foram se tornando adultos, começaram a trabalhar, casaram-se e mudaram-se. Nos cerca de 30 anos de convivência, existiram duas gerações no grupo. A primeira é a de Danilo Savassi, Paulo Mendes Campos e George Marie Donard e muitos outros. A outra, pouco mais jovem, é a de Pacífico Mascarenhas, Aluízio Mendes Campos e Márcio Pinheiro, por exemplo. A turma era muito grande e variava entre adolescentes, de 13 anos em diante, a adultos, com mais de 30. “Eram mais de cem”, diz Pacífico. Hoje, ainda mantêm contato cerca de 40 integrantes.
Cada um deles lembra de uma passagem diferente daquele período. Aluízio Mendes Campos conta que a turma começou a se reunir no Abrigo Pernambuco, antes de existir a Padaria Savassi. “O abrigo era no centro da Praça Diogo de Vasconcelos”. “Tinha dois bancos lá”. “A gente ficava sentado, vendo o povo passar”, diz. Segundo ele, ninguém tinha dinheiro na época e a saída era criar brincadeiras para passar o tempo. Uma das “molecagens” deles era o “busca-teófilo”, que dava direito a uma pessoa de fazer revista no corpo da outra e levar para casa o que encontrasse. Para ficar “isento” da busca, os garotos tinham que avisar que estavam em “licença”.
O psiquiatra Márcio Pinheiro, 77 anos, fez até uma lista de atividades da turma – 28 no total. Entre elas, muitas brincadeiras, mas também o futebol, as festas – em que quase sempre entravam como penetras – e o “footing” – passeios aos domingos à tarde nas praças da cidade para ver as moças passarem. “Footing” e festas são capítulos à parte na história da turma, assim como as brigas com grupos de outras regiões da cidade.
SEMANAS DE FLERTE NOS “FOOTINGS”
O da Praça da Liberdade era um dos “footings” mais concorridos. Eram tantas meninas. Elas andavam de um lado para outro com as amigas. Os rapazes ficavam flertando. Demorava muito o flerte. “Não era fácil, mas era bom porque, se a gente gostasse de uma moça, sabia que ela não iria desaparecer, que a gente poderia encontrá-la no domingo seguinte”, lembra Márcio Pinheiro. Segundo ele, o processo era muito longo.
“Eram semanas de flerte até o rapaz criar coragem de se aproximar”. “Pegar na mão era uma emoção fabulosa. O primeiro beijo, então, era um evento espetacular”, diz. O médico conta que os jovens se encontravam com as moças também nas missas dançantes, organizadas pelo Minas Tênis Clube, mas sob os olhares das mães. Para ele, uma das transformações mais fantásticas que viu na vida foi no comportamento social da mulher do início do século passado para os dias atuais.
VERDADEIROS “EXPERTS” EM PENETRAR FESTAS
Nas festas, os jovens da turma arrumavam “técnicas sofisticadas” para conseguir entrar sem serem convidados. Aluizio Mendes Campos lembra de uma festa no Country Clube, que ficava na região da Vila Acaba Mundo, no Bairro Sion, em que eles alugaram um táxi, modelo Buick. O colega que era sócio do local entrou sem problemas, com a carteirinha, mas, quando o veículo entrou no clube, desceu do porta-malas “uma cambada” para curtir a festa.
Márcio Pinheiro conta, ainda, que outro deles vestiu roupa de pipoqueiro para entrar no evento como se fosse alguém da equipe que iria trabalhar. Outra forma de “penetrar” nos eventos, conforme o psiquiatra era chegar com a turma à porta da casa da aniversariante e cantar parabéns para serem convidados. “Quase sempre dava certo”.
Um dos segredos da turma para entrar nas festas era a informação privilegiada. De acordo com Pacífico Mascarenhas, um dos membros do grupo tinha um amigo que trabalhava na Brahma e avisava em que locais fazia entrega de bebida. “Ele ligava para a gente e dizia”: “Olha, entreguei seis barris de chope em tal endereço”. Aí, a gente corria para lá, relata.
O corretor Clívio Gomes Luz, 83 anos, revela que, às vezes, eles eram expulsos de algumas festas, mas “numa boa”. A gente sempre ficava porque a gente sabia usar o toca-discos e bombear o chope. “Além disso, a gente dançava muito bem, e as moças ficavam encantadas porque os “pés-duros” não sabiam nem sair do chão”, afirma. Os treinos como dançarinos ocorriam na Zona Boêmia do Centro da cidade, no Montanhês Dancing Clube e no Chant Clair, principalmente.
Belo Horizonte, na época da “Turma da Savassi”, era toda dividida em grupos de jovens. Várias turmas se formaram: a da Floresta, da Praça 12 (atual Praça ABC) e a do Colégio Santo Antônio e outras. Elas alimentavam rivalidades entre si e, quando menos se esperava, aparecia uma confusão. “Eram muitas brigas”. A gente brigava demais, à toa, por causa de mulher, de futebol. Sempre tinha rixa. A “Turma da Savassi” ganhava porque tinha mais gente. O pessoal saía correndo, e a gente ia atrás. Batia com soco, madeira, chute, lembra Pacífico Mascarenhas.
70 ANOS CHEIOS DE HISTÓRIAS
Os pães saiam quentinhos durante todo o dia, atraindo a freguesia. Era um dos segredos da Padaria e Confeitaria Savassi, que, em 15 de março de 1940, instalou-se na Praça Diogo de Vasconcelos, onde hoje existe uma loja da Vivo, operadora de telefonia celular. Além do pão, que vinha em diferentes tamanhos e formatos, o estabelecimento oferecia doces, bolos, sorvetes e produtos de armazém.
Para completar, tinha bela decoração e uma turma bagunceira na porta, dia e noite. Estavam ali reunidos os ingredientes que iriam sedimentar o nome “Savassi” em um dos bairros mais tradicionais de Belo Horizonte, o Funcionários, na Região Centro-Sul. Mais tarde, em 1991, Savassi virou área oficial da cidade, por meio de lei municipal.
A história da Padaria Savassi começa com a chegada de imigrantes italianos ao Brasil, no final do século XIX e início do século passado, por causa de crises econômicas na Europa e, também, devido à Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Entre as muitas famílias que vieram. Estava a Savassi.
Os irmãos Hugo e Juca Savassi vieram para Belo Horizonte e decidiram empreender. Começaram a trabalhar em uma padaria da família no Centro, a Nova Capital. Depois, em 1940, criaram o próprio estabelecimento. Nascia a Padaria e Confeitaria Savassi. O local era considerado um dos mais sofisticados de Belo Horizonte.
Segundo Danilo Savassi, 86 anos, filho de Hugo Savassi, a padaria tinha 12 mesinhas em mármore de carrara e cadeiras em metal cromado e madeira de jacarandá, além de espelhos nas paredes. “Tínhamos uma casa de chá lá, instituímos um mini-supermercado com vinhos e licores finos”. O pão era o melhor de Belo Horizonte. Meu pai e o Juca é que faziam, conta.
Segundo ele, a diferença no pãozinho é que ele era feito com dupla fermentação. As diversificadas guloseimas da Savassi estão registradas em um anúncio do estabelecimento na época: “Padaria Savassi Ltda. – 33 anos de tradição – Pão de forma, pão de batata, bolo pluma, rosca da rainha, pane-pluma, brioche”, diz o texto. O pão era embrulhado em papel de padaria, detalhe que fazia a diferença, conforme Danilo.
As inovações da padaria se seguiram. Uma das grandes sacadas foi a contratação do “mestre Raimundo”, que fabricava sorvetes. “O trouxemos de São Paulo, com família e tudo”. “Tinha uma técnica de sorvete à base de leite e um método especial de fazer as caldas”, lembra. Danilo Savassi, que ficou na padaria até 1977, diz que o sorvete atraía pessoas de outras cidades.
Além da “Turma da Savassi”, moradores vizinhos e pessoas de outras cidades, a padaria tinha um público sofisticado, ligado à política da época. Muitos dos políticos moravam perto do estabelecimento. Assim, era comum que, entre os rapazes bagunceiros da turma passassem nomes como Tancredo Neves, José Maria Alkimin, Juscelino Kubitschek e Franzen de Lima, entre outros. “Iam para lá com suas esposas para tomar o chá da tarde”.
Um momento triste da história da padaria foi a destruição sofrida em 19 de agosto de 1942. Por causa do afundamento de navios brasileiros, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), por forças ligadas ao Eixo, que tinha como principais países a Alemanha e Japão. “As pessoas saíram pela cidade destruindo, depredando e saqueando todas as casas comerciais que tivessem sobrenome alemão e italiano”, lembra Danilo.
Com 19 anos, ele conseguiu convencer um primeiro grupo a desistir da agressão, mostrando que servia ao CPOR e, portanto, à pátria brasileira. Mas não adiantou muito porque, mais tarde, um segundo contingente de pessoas chegou ao local e acabou com o que viram pela frente. “Até hoje, eu sinto aquele cheiro de vinho se espalhando no chão”, lembra o compositor Pacífico Mascarenhas, que, junto com outros membros da “Turma da Savassi”, assistiu à destruição. “Nunca mais a padaria foi a mesma”, disse Danilo Savassi, observando que a reforma foi feita, mas sem retomar os detalhes de antes.
Com o crescimento da região, os donos da padaria, que passaram a ser Danilo, Fernando – filho de Juca – e Geraldo – irmão de Juca e Hugo – decidiram vender o ponto. “Quando fomos para lá, o bairro era rigorosamente residencial”. Foram aparecendo armazéns, consultórios e casas comerciais por causa da Praça da Savassi. Em 30 anos, não tinha mais estacionamento nem residências. A gente não tinha mais para quem vender pão, relata Danilo Savassi. Assim, a família optou por transferir a padaria para um terreno na Rua Rio Grande do Norte, 1.432.
A padaria, hoje, pertence apenas a Fernando Savassi, que trabalha mais com atacado e atende a hotéis, hospitais e eventos. Segundo ele, a qualidade dos produtos continua a mesma. “Só mudou a forma de fazer”, diz. Ele lembra que a casa antiga servia a toda Belo Horizonte. “Eu ficava no caixa das 8 às 10 horas e atendia 800 pessoas”, conta. Como membro da família, ele afirma que sente orgulho da proporção que o nome da padaria tomou. “Tinha a placa Savassi na frente, e o nome foi pegando, virando ponto de referência”.
Para quem viveu naquela época, a padaria no meio da praça deixou muitas lembranças. Membro da “Turma da Savassi”, o engenheiro José Carlos Frederico, 77 anos, recorda-se de uma das guloseimas mais procuradas – o Polar. “Era um sorvete, eu acho que era de coco, mergulhado em uma calda de chocolate”. “Era a delícia da época”, diz. Ele também se lembra do período de racionamento por causa da Segunda Guerra Mundial. “As famílias tinham uma cota de pães”. “Faziam filas que iam até a Rua Alagoas para comprar o pão”.
CASOS E FRASES DA TURMA
“A gente disputava campeonato de quem andava mais tempo com a calça abaixada, só de samba-canção”. “As moças vinham passando e eram muito pudicas naquela época”. “Teve uma que até desmaiou”.
Aluízio Mendes Campos
“À noite, quando a gente voltava da Rua Guaicurus, a pé porque o último bonde já tinha passado, a gente ia fazendo o risco”. “Ia urinando no chão e, quando um acabava, o outro continuava, fazendo o risco no chão”.
Márcio Pinheiro
“A gente costumava mudar o letreiro do Cine Pathé”. “Subia lá e trocava as letras, formando palavras engraçadas, que não tinham nada a ver com o filme”. “O pessoal do bonde passava e ficava olhando para aquele letreiro, achando estranho”.
Pacífico Mascarenhas
“As moças iam de bonde especial para o colégio”. “Tinha uma freira na frente e outra atrás do bonde”. “A gente ficava esperando ele passar para ver as canelas das moças e ficava comentando: aquela é mais grossa, aquela é mais fina”.
Clívio Gomes Luz
“As casas todas tinham quintais”. “A gente roubava frutas nas casas dos vizinhos”. “Da minha casa, os meninos roubavam mexerica”.
José Carlos Frederico
O DIA A DIA DA “TURMA DA SAVASSI”
Veja o que eles faziam e aonde iam para se divertir:
Algumas brincadeiras:
As serenatas eram umas das façanhas que os rapazes da “Turma da Savassi” realizavam. Eles saíam pelas ruas da região cantando para chamar a atenção das moças. De acordo com Pacífico, os “cantores”, geralmente, eram ele, Alceu Torres, Rui Franca e José Guimarães. Os outros iam seguindo a cantoria, fazendo coro. As músicas eram variadas, mas algumas foram feitas por eles. “A gente escrevia o que tinha vontade de falar para a namorada e não tinha coragem”. “Por exemplo, se eu tivesse coragem de dizer que te amo”, lembra.
Outro membro da turma, o advogado aposentado Aluízio Mendes Campos, 77 anos, irmão do escritor Paulo Mendes Campos, lembra que as moças pensavam que a serenata estava na rua e chegavam às janelas para olhar para baixo, vestidas de camisolas, e se assustavam ao ver que os galanteadores estavam lá no alto, em cima do caminhão. Danilo Savassi, filho de um dos fundadores da Padaria Savassi, lembra que ele e os amigos já fizeram o cortejo até em uma “assistência” – ambulância nos dias de hoje.
A “Turma da Savassi” agitou a região entre os anos 30 e final da década de 60. Depois, os jovens foram se tornando adultos, começaram a trabalhar, casaram-se e mudaram-se. Nos cerca de 30 anos de convivência, existiram duas gerações no grupo. A primeira é a de Danilo Savassi, Paulo Mendes Campos e George Marie Donard e muitos outros. A outra, pouco mais jovem, é a de Pacífico Mascarenhas, Aluízio Mendes Campos e Márcio Pinheiro, por exemplo. A turma era muito grande e variava entre adolescentes, de 13 anos em diante, a adultos, com mais de 30. “Eram mais de cem”, diz Pacífico. Hoje, ainda mantêm contato cerca de 40 integrantes.
Cada um deles lembra de uma passagem diferente daquele período. Aluízio Mendes Campos conta que a turma começou a se reunir no Abrigo Pernambuco, antes de existir a Padaria Savassi. “O abrigo era no centro da Praça Diogo de Vasconcelos”. “Tinha dois bancos lá”. “A gente ficava sentado, vendo o povo passar”, diz. Segundo ele, ninguém tinha dinheiro na época e a saída era criar brincadeiras para passar o tempo. Uma das “molecagens” deles era o “busca-teófilo”, que dava direito a uma pessoa de fazer revista no corpo da outra e levar para casa o que encontrasse. Para ficar “isento” da busca, os garotos tinham que avisar que estavam em “licença”.
O psiquiatra Márcio Pinheiro, 77 anos, fez até uma lista de atividades da turma – 28 no total. Entre elas, muitas brincadeiras, mas também o futebol, as festas – em que quase sempre entravam como penetras – e o “footing” – passeios aos domingos à tarde nas praças da cidade para ver as moças passarem. “Footing” e festas são capítulos à parte na história da turma, assim como as brigas com grupos de outras regiões da cidade.
SEMANAS DE FLERTE NOS “FOOTINGS”
O da Praça da Liberdade era um dos “footings” mais concorridos. Eram tantas meninas. Elas andavam de um lado para outro com as amigas. Os rapazes ficavam flertando. Demorava muito o flerte. “Não era fácil, mas era bom porque, se a gente gostasse de uma moça, sabia que ela não iria desaparecer, que a gente poderia encontrá-la no domingo seguinte”, lembra Márcio Pinheiro. Segundo ele, o processo era muito longo.
“Eram semanas de flerte até o rapaz criar coragem de se aproximar”. “Pegar na mão era uma emoção fabulosa. O primeiro beijo, então, era um evento espetacular”, diz. O médico conta que os jovens se encontravam com as moças também nas missas dançantes, organizadas pelo Minas Tênis Clube, mas sob os olhares das mães. Para ele, uma das transformações mais fantásticas que viu na vida foi no comportamento social da mulher do início do século passado para os dias atuais.
VERDADEIROS “EXPERTS” EM PENETRAR FESTAS
Nas festas, os jovens da turma arrumavam “técnicas sofisticadas” para conseguir entrar sem serem convidados. Aluizio Mendes Campos lembra de uma festa no Country Clube, que ficava na região da Vila Acaba Mundo, no Bairro Sion, em que eles alugaram um táxi, modelo Buick. O colega que era sócio do local entrou sem problemas, com a carteirinha, mas, quando o veículo entrou no clube, desceu do porta-malas “uma cambada” para curtir a festa.
Márcio Pinheiro conta, ainda, que outro deles vestiu roupa de pipoqueiro para entrar no evento como se fosse alguém da equipe que iria trabalhar. Outra forma de “penetrar” nos eventos, conforme o psiquiatra era chegar com a turma à porta da casa da aniversariante e cantar parabéns para serem convidados. “Quase sempre dava certo”.
Um dos segredos da turma para entrar nas festas era a informação privilegiada. De acordo com Pacífico Mascarenhas, um dos membros do grupo tinha um amigo que trabalhava na Brahma e avisava em que locais fazia entrega de bebida. “Ele ligava para a gente e dizia”: “Olha, entreguei seis barris de chope em tal endereço”. Aí, a gente corria para lá, relata.
O corretor Clívio Gomes Luz, 83 anos, revela que, às vezes, eles eram expulsos de algumas festas, mas “numa boa”. A gente sempre ficava porque a gente sabia usar o toca-discos e bombear o chope. “Além disso, a gente dançava muito bem, e as moças ficavam encantadas porque os “pés-duros” não sabiam nem sair do chão”, afirma. Os treinos como dançarinos ocorriam na Zona Boêmia do Centro da cidade, no Montanhês Dancing Clube e no Chant Clair, principalmente.
Belo Horizonte, na época da “Turma da Savassi”, era toda dividida em grupos de jovens. Várias turmas se formaram: a da Floresta, da Praça 12 (atual Praça ABC) e a do Colégio Santo Antônio e outras. Elas alimentavam rivalidades entre si e, quando menos se esperava, aparecia uma confusão. “Eram muitas brigas”. A gente brigava demais, à toa, por causa de mulher, de futebol. Sempre tinha rixa. A “Turma da Savassi” ganhava porque tinha mais gente. O pessoal saía correndo, e a gente ia atrás. Batia com soco, madeira, chute, lembra Pacífico Mascarenhas.
70 ANOS CHEIOS DE HISTÓRIAS
Os pães saiam quentinhos durante todo o dia, atraindo a freguesia. Era um dos segredos da Padaria e Confeitaria Savassi, que, em 15 de março de 1940, instalou-se na Praça Diogo de Vasconcelos, onde hoje existe uma loja da Vivo, operadora de telefonia celular. Além do pão, que vinha em diferentes tamanhos e formatos, o estabelecimento oferecia doces, bolos, sorvetes e produtos de armazém.
Para completar, tinha bela decoração e uma turma bagunceira na porta, dia e noite. Estavam ali reunidos os ingredientes que iriam sedimentar o nome “Savassi” em um dos bairros mais tradicionais de Belo Horizonte, o Funcionários, na Região Centro-Sul. Mais tarde, em 1991, Savassi virou área oficial da cidade, por meio de lei municipal.
A história da Padaria Savassi começa com a chegada de imigrantes italianos ao Brasil, no final do século XIX e início do século passado, por causa de crises econômicas na Europa e, também, devido à Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Entre as muitas famílias que vieram. Estava a Savassi.
Os irmãos Hugo e Juca Savassi vieram para Belo Horizonte e decidiram empreender. Começaram a trabalhar em uma padaria da família no Centro, a Nova Capital. Depois, em 1940, criaram o próprio estabelecimento. Nascia a Padaria e Confeitaria Savassi. O local era considerado um dos mais sofisticados de Belo Horizonte.
Segundo Danilo Savassi, 86 anos, filho de Hugo Savassi, a padaria tinha 12 mesinhas em mármore de carrara e cadeiras em metal cromado e madeira de jacarandá, além de espelhos nas paredes. “Tínhamos uma casa de chá lá, instituímos um mini-supermercado com vinhos e licores finos”. O pão era o melhor de Belo Horizonte. Meu pai e o Juca é que faziam, conta.
Segundo ele, a diferença no pãozinho é que ele era feito com dupla fermentação. As diversificadas guloseimas da Savassi estão registradas em um anúncio do estabelecimento na época: “Padaria Savassi Ltda. – 33 anos de tradição – Pão de forma, pão de batata, bolo pluma, rosca da rainha, pane-pluma, brioche”, diz o texto. O pão era embrulhado em papel de padaria, detalhe que fazia a diferença, conforme Danilo.
As inovações da padaria se seguiram. Uma das grandes sacadas foi a contratação do “mestre Raimundo”, que fabricava sorvetes. “O trouxemos de São Paulo, com família e tudo”. “Tinha uma técnica de sorvete à base de leite e um método especial de fazer as caldas”, lembra. Danilo Savassi, que ficou na padaria até 1977, diz que o sorvete atraía pessoas de outras cidades.
Além da “Turma da Savassi”, moradores vizinhos e pessoas de outras cidades, a padaria tinha um público sofisticado, ligado à política da época. Muitos dos políticos moravam perto do estabelecimento. Assim, era comum que, entre os rapazes bagunceiros da turma passassem nomes como Tancredo Neves, José Maria Alkimin, Juscelino Kubitschek e Franzen de Lima, entre outros. “Iam para lá com suas esposas para tomar o chá da tarde”.
Um momento triste da história da padaria foi a destruição sofrida em 19 de agosto de 1942. Por causa do afundamento de navios brasileiros, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), por forças ligadas ao Eixo, que tinha como principais países a Alemanha e Japão. “As pessoas saíram pela cidade destruindo, depredando e saqueando todas as casas comerciais que tivessem sobrenome alemão e italiano”, lembra Danilo.
Com 19 anos, ele conseguiu convencer um primeiro grupo a desistir da agressão, mostrando que servia ao CPOR e, portanto, à pátria brasileira. Mas não adiantou muito porque, mais tarde, um segundo contingente de pessoas chegou ao local e acabou com o que viram pela frente. “Até hoje, eu sinto aquele cheiro de vinho se espalhando no chão”, lembra o compositor Pacífico Mascarenhas, que, junto com outros membros da “Turma da Savassi”, assistiu à destruição. “Nunca mais a padaria foi a mesma”, disse Danilo Savassi, observando que a reforma foi feita, mas sem retomar os detalhes de antes.
Com o crescimento da região, os donos da padaria, que passaram a ser Danilo, Fernando – filho de Juca – e Geraldo – irmão de Juca e Hugo – decidiram vender o ponto. “Quando fomos para lá, o bairro era rigorosamente residencial”. Foram aparecendo armazéns, consultórios e casas comerciais por causa da Praça da Savassi. Em 30 anos, não tinha mais estacionamento nem residências. A gente não tinha mais para quem vender pão, relata Danilo Savassi. Assim, a família optou por transferir a padaria para um terreno na Rua Rio Grande do Norte, 1.432.
A padaria, hoje, pertence apenas a Fernando Savassi, que trabalha mais com atacado e atende a hotéis, hospitais e eventos. Segundo ele, a qualidade dos produtos continua a mesma. “Só mudou a forma de fazer”, diz. Ele lembra que a casa antiga servia a toda Belo Horizonte. “Eu ficava no caixa das 8 às 10 horas e atendia 800 pessoas”, conta. Como membro da família, ele afirma que sente orgulho da proporção que o nome da padaria tomou. “Tinha a placa Savassi na frente, e o nome foi pegando, virando ponto de referência”.
Para quem viveu naquela época, a padaria no meio da praça deixou muitas lembranças. Membro da “Turma da Savassi”, o engenheiro José Carlos Frederico, 77 anos, recorda-se de uma das guloseimas mais procuradas – o Polar. “Era um sorvete, eu acho que era de coco, mergulhado em uma calda de chocolate”. “Era a delícia da época”, diz. Ele também se lembra do período de racionamento por causa da Segunda Guerra Mundial. “As famílias tinham uma cota de pães”. “Faziam filas que iam até a Rua Alagoas para comprar o pão”.
CASOS E FRASES DA TURMA
“A gente disputava campeonato de quem andava mais tempo com a calça abaixada, só de samba-canção”. “As moças vinham passando e eram muito pudicas naquela época”. “Teve uma que até desmaiou”.
Aluízio Mendes Campos
“À noite, quando a gente voltava da Rua Guaicurus, a pé porque o último bonde já tinha passado, a gente ia fazendo o risco”. “Ia urinando no chão e, quando um acabava, o outro continuava, fazendo o risco no chão”.
Márcio Pinheiro
“A gente costumava mudar o letreiro do Cine Pathé”. “Subia lá e trocava as letras, formando palavras engraçadas, que não tinham nada a ver com o filme”. “O pessoal do bonde passava e ficava olhando para aquele letreiro, achando estranho”.
Pacífico Mascarenhas
“As moças iam de bonde especial para o colégio”. “Tinha uma freira na frente e outra atrás do bonde”. “A gente ficava esperando ele passar para ver as canelas das moças e ficava comentando: aquela é mais grossa, aquela é mais fina”.
Clívio Gomes Luz
“As casas todas tinham quintais”. “A gente roubava frutas nas casas dos vizinhos”. “Da minha casa, os meninos roubavam mexerica”.
José Carlos Frederico
O DIA A DIA DA “TURMA DA SAVASSI”
Veja o que eles faziam e aonde iam para se divertir:
Algumas brincadeiras:
Penetrar em festas.
Passar sabão na linha dos bondes especiais que transportavam as moças para os colégios.
Mofa
Busca-teófilo
Futebol de várzea
Pular de andares em construção em cima de montes de areia.
Finca
Pião
Jogo de botão
Mudar letreiro do Cine Pathé.
Disputa entre quem levantava o pé mais alto.
Chamar sentinelas do palácio do Governador de “meganhas”.
Pontos de Lazer:
Abrigo Pernambuco
Pontos de Lazer:
Abrigo Pernambuco
Padaria Savassi
“Footing” na Praça da Liberdade, na Avenida Afonso Pena, na Praça da Savassi e na Praça do Colégio Arnaldo.
Missa dançante no Minas Tênis Clube
Bailes na Zona Boêmia, no Montanhês Dancing Clube e no Chant Clair.
Festas Juninas no Country Clube.
Artigo escrito por Cláudia Rezende – Repórter
Publicado em 01/11/2009 no Jornal Hoje em Dia.
É incrível ouvir tudo isso. É exatamente tudo que a minha mãe sempre contou para mim sobre a Turma da Savassi da qual ela, era a única mulher. O nome dela é Sonia Fernandes Barros e seu irmão, que também era da Turma, chama-se Luis Fernandes Barros. Parabéns pelo blog!
ResponderExcluirCynthia
Excelente Blog. Parabens. Retrata com fidelidade como eram as nossas vidas naqueles tempos que não voltam mais. De uma coisa eutenho certeza: na turma tem gente mais bem sucedida do que os outros, tem gente com escolaridade mais avançada do que as dos outros, mas todos são doutores na Escola da Vida.
ResponderExcluirMarcio