terça-feira, 26 de janeiro de 2010

AQUI NÃO É O EXÉRCITO , NEM A MARINHA E NEM A AERONÁUTICA, AQUI É O INFERNO.(...)

expressão de um torturador ouvida pelo preso político em 1974 José Elpidio Cavalcante ( BNM - pag. 240 )

APRESENTAÇÃO

O texto em anexo serviu como base para a minha participação como palestrante, na audiência pública convocada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, realizada no dia 01 de outubro de 2009.

Meus argumentos foram baseados nas seguintes publicações:
1 - BRASIL NUNCA MAIS - um relato para a História - Editora Vozes

2- REVISTA ANISTIA - Política e Justiça de Transição - editada pelo Ministério da Justiça lançada em 28 de agosto de 2009

3 - O capitão Lamarca e a VPR - Repressão Judicial no Brasil - Wilma Antunes Maciel

4 - Carta Capital - Crime contra a Humanidade - Manifesto de juristas defende processo contra torturadores

BETINHO DUARTE
PRESIDENTE DO COMITÊ BRASILEIRO PELA ANISTIA / MG



1 - O QUE É TORTURA

A tortura foi definida pela Associação Médica Mundial, em assembléia realizada em Tóquio, a 10 de outubro de 1975, como: "a imposição deliberada, sistemática e desconsiderada de sofrimento físico ou mental por parte de uma ou mais pessoas, atuando por própria conta ou seguindo ordens de qualquer tipo de poder, com o fim de forçar uma pessoa a dar informações, confessar, ou por outra razão qualquer".
O psicanalista Hélio Pellegrino observa que "a tortura busca, à custa do sofrimento corporal insuportável, introduzir uma cunha que leve à cisão entre o corpo e a mente. E , mais do que isto: ela procura, a todo preço, semear a discórdia e a guerra entre o corpo e a mente. Através da tortura, o corpo torna-se nosso inimigo e nos persegue. É este o modelo básico no qual se apóia a ação de qualquer torturador. (...). Na tortura, o corpo volta-se contra nós exigindo que falemos. Da mais íntima espessura de nossa própria carne, se levanta uma voz que nos nega, na medida em que pretende arrancar de nós um discurso do qual temos horror, já que é a negação de nossa liberdade. O problema da alienação alcança, aqui, o seu ponto crucial. A tortura nos impõe a alienação total de nosso próprio corpo, tornando-o estrangeiro a nós, e nosso inimigo de morte. (...) O projeto da tortura implica numa negação total - e totalitária - da pessoa, enquanto ser encarnado. O centro da pessoa humana é a liberdade. Esta, por sua vez , é a invenção que o sujeito faz de si mesmo, através da palavra que o exprime. Na tortura, o discurso que o torturador busca extrair do torturado é a negação absoluta e radical de sua condição de sujeito livre. A tortura visa ao avesso da liberdade. Nesta medida, o discurso que ela busca, através da intimidação e da violência, é a palavra aviltada de um sujeito que, nas mãos do torturador, se transforma em objeto".
Leonardo Boff também expressa assim esse suplício:
(...) o mais terrível da tortura política é o fato de que ela obriga o torturado a lutar contra si mesmo. A tortura cinde a pessoa ao meio (...). A mente quer ser fiel à sua causa e aos companheiros; não quer de forma alguma entregá-los. O corpo submetido a toda sorte de intimidação e aviltamento, para ver se livre da tortura, tende a falar e assim fazer a vontade do torturador.
Enfim, é tortura tudo aquilo que deliberadamente uma pessoa possa fazer a outra, produzindo dor, pânico, desgaste moral ou desequilíbrio psíquico, provocando lesão, contusão, funcionamento anormal do corpo ou das faculdades mentais, bem como prejuízo à moral.
No Brasil durante a ditadura militar o CRIME de tortura foi sistematicamente aplicado. A institucionalização do CRIME de tortura foi uma opção política do regime militar.
Sobre a institucionalização da tortura, o documento dos presos políticos do Rio de Janeiro dirigido à Ordem dos Advogados do Brasil - OAB - em novembro de 1976 aponta:
(...) três aspectos fundamentais da tortura: 1) enquanto tentativa de intimidação frente à população; 2) enquanto método de coleta de informações; 3) enquanto base para o funcionamento da Justiça Militar.

2 - QUEM EXERCIA A REPRESSÃO E A TORTURA

Uma vasta e complexa estrutura, unificada sob a égide do sistema DOI-CODI, com a hegemonia das Forças Armadas, respondeu pela repressão e pela tortura durante a ditadura militar.
Ligados pelo CODI (Centro de Informações de Defesa Interna) ao comando nacional de repressão (Conselho de Segurança Nacional, Serviço Nacional de Informações, Centro de Informações do Exército, Centro de Informações da Marinha, Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica), os DOIS (Departamento de Operações Internas) congregaram a nível regional os órgãos repressivos das três armas, somando-se também a polícia política, a Polícia Militar e os grupos especiais de operações, dentre eles o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), todos subordinados diretamente ao Estado Maior das Forças Armadas (EMFA). A tortura institucionalizou-se, portanto, a partir dos próprios centros de poder, por seus canais mais diretos.
Um grupo de organizações para-militares de extrema direita (Aliança Anticomunista Brasileira, Centelha, Voluntários da Pátria, TFP - Tradicional Familia e Propriedade, CCC - Comando de Caça aos Comunistas , MAC - Movimento Anti-Comunista e outras) contribui para a repressão, tendo suas ações repressivas e terroristas acobertadas e respaldadas pelo Estado.

3 - COMO SE EXERCIAM A REPRESSÃO E A TORTURA

Prisões arbitrárias, com posterior abertura de inquérito. Utilização de diversas formas de tortura durante a fase de inquérito. Desaparecimento de réus. Os órgãos de repressão tinham domínio absoluto sobre os investigados, desrespeitando todos os direitos constitucionais e as próprias leis criadas pelo regime.

4 - QUAIS ERAM AS FORMAS DE TORTURA

Agressão física e pressão psicológica foram feitas de diversas formas, entre elas as que se utilizavam de:

1 - pau-de-arara (barra de ferro atravessada entre os punhos amarrados e a dobra dos joelhos, dependurando o réu);
• 2 - choque elétrico;
• 3- pimentinha (magneto que produzia eletricidade de baixa voltagem e alta amperagem);
• 4 - afogamento (um tubo de borracha jorrando água continuamente na boca do torturado);
• 5 - cadeira do dragão (cadeira pesada com assento de zinco, com terminal para receber choque elétrico e empurrar, a cada espasmo do preso, as suas pernas para trás, ferindo-as continua e progressivamente);
• 6 - geladeira (colocação do preso em um ambiente de temperatura baixíssima);
• 7 - insetos e animais (cobras, jacarés, cães, baratas, lançados sobre os presos);
• 8 - produtos químicos;
• 9 - cassetetes e forquilhas
• 10 - violação sexual.
• 11 - telefone (aplicar golpe com as mãos nos dois ouvidos)
• 12 - palmatória
• 13 - esbofeteamento
• 14 - empalamento (consiste em espetar uma estaca através do ânus até a boca do torturado para levá-lo à morte, deixando um carvão em brasa na ponta da estaca para que, quando esta atingisse a boca, o supliciado não morresse até algumas horas depois, de hemorragia)
• 15 - queimadura com cigarros
• 16 - mordidas de cachorro
• 17 - coroa de cristo ( fita de aço que vai sendo gradativamente apertada, esmagando aos poucos o crânio da vitima )
• 18 - arrancamento de dentes com alicate
• 19 - injeções de éter subcutâneas
• 20 - arrancamento de unhas
• 21 - soro da "verdade" ( PENTOTAL )
• 22 - fuzilamento simulado
• 23 - ameaças de morte (à própria pessoa, a filhos e companheiros)
• 24 - assistir à torturas de companheiros
• 25 - aplicar torturas em companheiros
• 26 - desorganização têmporo-espacial
• 27 - enterro simulado


5 - PRINCIPAIS LOCAIS CLANDESTINOS DE PRISÃO TORTURA e ASSASSINATOS DE PRESOS POLÍTICOS

• A "Casa dos Horrores" em Fortaleza, onde um policial gritou : "Aqui não é o Exército, nem a Marinha, nem a Aeronáutica, aqui é o Inferno";

• A "Casa de São Conrado", no Rio de Janeiro;/

• A "Casa de Petrópolis";

• O Colégio Militar de Belo Horizonte;

• A "fazenda" e a casa de São Paulo.


6 - TORTURA - CRIMES DE LESA - HUMANIDADE E IMPRESCRITIBILIDADE

Um grupo de mais de cem juristas, advogados, juízes e promotores de todo o país assinaram um manifesto em apoio à decisão do Ministério da Justiça de propor um debate nacional sobre o alcance da lei da anistia e sobre a possibilidade de processo pelo crime de tortura durante a ditadura militar
O "Manifesto dos Juristas" sustenta que a prática de tortura não constitui um crime político, mas sim um crime de lesa humanidade. " Além disso, afirma ainda, " é consenso na doutrina e jurisprudência internacionais que atos cometidos pelos agentes do governo durante as ditaduras latino-americanas foram crimes contra a humanidade". "A Corte Interamericana de Direitos Humanos, nesse sentido, consolidou entendimento que os crimes de lesa- humanidade não podem ser anistiados por legislação interna, em especial pelas leis que surgiram após o fim das ditaduras militares".
O Ministério Público Federal, através da Procuradoria da República em São Paulo/SP, solicitou ao Centro Internacional Para a Justiça Transicional parecer técnico sobre a natureza dos crimes de lesa- humanidade, a imprescritibilidade de alguns delitos e a proibição de anistias através do ofício n PR/SP - GABPR 12 - EAGP 352/2008 de 04 de julho de 2008, procedimento nº 1. 34.001.008495/2007

O parecer é claro e explicativo que tortura é CRIME de lesa-humanidade e imprescritível.

Nenhum comentário:

Postar um comentário