quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

GUERRILHA DO ARAGUAIA

Caros (as),

Aproveito para enviar a vocês, trechos do livro que está sendo escrito por Marco Aurélio de Freitas Lisboa junto a Elio Ramirez Garcia, ambos ex-militantes da Guerrilha do Araguaia.


Colaborei de certa forma na pesquisa, quando instruída pelo autor, encontrei nos Arquivos da Unicamp, um diário apócrifo escrito por um militante que esteve na China, realizando um curso em Nankin. O diário de guerrilha contém informações preciosas sobre o tipo de preparação que a China dava aos militantes brasileiros e/ou latino-americanos.
O livro ainda não foi publicado e o autor está postando seus capítulos - ainda em fase preliminar- no blog

http://elsenorgato.blogspot.com.

Caso tenham interesse no assunto, façam uma visita ao seu blog.

O diário é composto por cerca de 270 textos, tratando de assuntos variados. O interesse do autor, com base nessa documentação, foi escrever uma obra de ficção sobre a ditadura militar, com destaque para a Guerrilha do Araguaia. O prefácio do diário parece ter sido escrito por José Duarte, português e militante histórico do Partido e também personagem da trilogia de Jorge Amado.

Os cursos realizados na China ainda são pouco conhecidos pela historiografia brasileira. O diário teve por base anotações que eram feitas na Academia Militar de Nankin (e não Pequim, como a maioria das fontes cita). Pelo que sabemos, três turmas estiveram na China, a de 64, a de 65 e a de 66. O curso tinha ênfase na teoria e não na prática, ao contrário dos cursos realizados em Cuba. O manual também teve circulação restrita dentro do Partido.

O autor procura demonstrar que a influência das teorias chinesas sobre a prática do PC do B foi muito maior do que o partido gostaria de admitir, e que os erros militares cometidos no Araguaia, derivam diretamente de uma adaptação mal feita no Brasil da Revolução Chinesa. Um exemplo disso, seria , segundo Marco Aurélio, a não utilização de rádios para comunicação e de minas e granadas para emboscadas. Segundo Freitas, os militantes que estavam na área tinham conhecimento e meios para fabricar esses dispositivos, mas não o utilizaram.

A idéia é que o PCdo B foi fortemente influenciado pelo maoismo.

Freitas acha que se o partido quisesse, poderia estabelecer quantos militantes foram enviados à China e qual era o contéudo dos cursos militares. Em sua pesquisas o autor descobriu também um militante que desertou da região em 1973 e que não consta do relatório Arroyo.
Repasso alguns dos seus escritos,

http://elsenorgato.blogspot. com



Prefácio

Prefácio 03.10.09

Houve um tempo em que a atividade política era movida à paixão . Uma parte dessa geração foi destruída, uns tantos sobreviveram e outros tantos se consideram vitoriosos , porque conseguiram abocanhar um pedacinho do poder . Esse livro é o registro de um dos capítulos mais significativos dessa época . Ele conta a história dos derrotados.


O xadrez foi uma das minhas primeiras paixões de adolescente . Para quem não é aficionado , é difícil entender a emoção envolvida em uma simples partida . Para os jogadores , é uma luta sangrenta entre duas vontades , entre dois projetos estratégicos . A expressão “o xadrez político ”, para mim , sempre teve um colorido especial . Mais tarde , eu iria unir essas duas paixões .


A política , assim como o xadrez , é uma arte . Encontrar o fio condutor , a linha correta , no meio de uma série de fatores que se entrelaçam e se influenciam mutuamente é o desafio comum às duas atividades . Outro ponto em comum é que a liberdade criadora está limitada por uma série fatores objetivos . No caso do xadrez : o tabuleiro , as peças , as regras que determinam seus movimentos e a própria história anterior , que levou a cada posição em particular . Esse é o lado científico do jogo .


Quando eu freqüentava o Clube de Xadrez de Belo Horizonte , costumava assistir as análises post-mortem, que eram feitas assim que uma partida terminava. Os dois jogadores , com a ajuda de um bando de sapos , analisavam jogada por jogada , procurando estabelecer um veredicto final : a vitória foi justa ou não ? Quais eram as alternativas do perdedor?


O que se pretende com esse livro é uma análise post-mortem da Guerrilha do Araguaia. A luta contra os guerrilheiros , episódio obscuro de nossa história recente , durou três anos e envolveu dezenas de milhares de soldados . Para apoiar essas operações , quartéis e estradas foram construídos no meio da selva amazônica . Tudo isso sem que a imensa maioria do povo brasileiro soubesse que , numa região conhecida como o Bico do Papagaio , 70 militantes do Partido Comunista do Brasil, o PC do B, pretendiam criar um novo Vietnã.


Esse livro foi escrito em co-autoria com o meu antigo companheiro de cela no Dops de Belo Horizonte , Elio Ramirez Garcia. A par do rigor científico , da preocupação com a verdade factual , pretendemos enriquecer essa análise expondo os desejos , as expectativas e os pensamentos de um dos lados envolvidos no conflito . Militando no PC do B à época da guerrilha , tivemos a oportunidade de conhecer em primeira mão a história desse partido , de conviver de perto com militantes e dirigentes que estiveram no Araguaia e de vivenciar a cultura dessa organização , se é que podemos usar esse termo .


Inicialmente , pretendemos mostrar que o Araguaia foi a conseqüência lógica da trajetória anterior do PC do B, o coroamento de uma visão estratégica . Entre o final da década de 60 e meados da década de 70, época que abrange a preparação e o desencadeamento da guerrilha , parecia que a revolução poderia derrotar o imperialismo . É a época da libertação das colônias africanas e da derrota americana no Vietnã. No horizonte da crise do petróleo e da estagflação da década de 70, se vislumbrava um colapso do sistema capitalista . Poucos poderiam prever a guinada da China e nada indicava o desmoronamento total do regime soviético e das democracias populares , tal como se deu.


No plano nacional , o PC do B previa que o recrudescimento do fascismo acabaria por isolar o governo , revigorando o movimento de massas . Apostava que o fracasso das políticas de conciliação e a justeza de sua linha ajudariam a transformá-lo num partido forte e numeroso .


No Araguaia, o regime se viu obrigado a mobilizar grandes contingentes militares e a manter completamente isolada uma vasta região . Ele procedeu como se estivesse em território inimigo - conduziu as operações militares sem se preocupar em ganhar corações e mentes , sem poupar nem mesmo a própria Igreja da região . O fim da guerrilha coincide com o fim da ilusão de ganhar a simpatia da classe média e dos formadores de opinião . A retirada estratégica de Golbery entra na ordem do dia .


Ambos seguiam uma lógica interna , respondiam, cada qual a sua maneira , às exigências da situação política nacional e internacional . Embora o resultado seja conhecido , não seria prudente dizer que ele era inevitável , ou mesmo que o seu desfecho era completamente previsível, sem um exame mais detalhado do conflito .


Em nossa análise , respeitaremos as mesmas limitações que um jogador de xadrez observa: não faremos jogadas impossíveis . No nosso caso , não dotaremos os personagens históricos de uma onisciência que eles não poderiam ter .


Uma das nossas dificuldades iniciais foi a de entender a natureza da região . Quais eram as suas características físicas , como viviam os seus habitantes , por que ela foi escolhida pelo partido ? Abusando de nossa analogia , queríamos saber como era o tabuleiro . Outra dificuldade , por incrível que possa parecer , já que éramos militantes nesse período , foi a de avaliar a força do PC do B. Quais eram as peças ? Segundo os seus dirigentes , era um partido ainda pequeno . Ficamos surpresos ao constatar o que era exatamente um partido pequeno , face à grandeza das tarefas as quais ele se propôs.


Finalmente , procuramos reconstituir lance por lance a partida , a verdade factual . Ao exército , não convém expor os métodos que usou para derrotar a guerrilha . Ao partido , por sua vez, razões internas e de propaganda impedem uma avaliação mais serena . Uma simples reconstrução dos três destacamentos , com todos os seus componentes , exigiu a consulta a várias fontes , muitas vezes divergentes . O relatório Arroyo, nossa fonte primária mais importante , é impreciso em relação a vários fatos e datas . Foi uma tarefa similar à de reconstituir uma partida mal anotada, recorrendo, muito tempo depois , às lembranças dos espectadores .


É preciso considerar que o Araguaia é muito pouco conhecido . Em 1972, fazia mais de 35 anos que a Insurreição de 1935 ocorrera. Hoje , estamos a essa mesma distância do Araguaia. Entretanto , a bibliografia disponível sobre a guerrilha e o próprio espaço que ela ocupa na cabeça dos cidadãos comuns são menores do que os relativos à insurreição .


A análise feita até agora pelo principal protagonista , o PC do B, é precária . A discussão interna foi abortada e o que se tem como posição oficial são documentos de 1976. Os participantes do drama , guerrilheiros sobreviventes e militantes do PC do B da época , se dispersaram pelas mais variadas posições políticas . Nós diríamos até que o PC do B de hoje é muito distinto do partido que fez a guerrilha .


Por último , gostaríamos de ressaltar que a guerrilha do Araguaia, foi, antes de tudo , um confronto militar . E os confrontos militares são decididos pelas armas . O nosso veredicto final deve ser algo do tipo : a guerrilha poderia ter sobrevivido? A posição oficial do PC do B é que sim , se não houvessem acontecido erros militares graves . Nós pretendemos fazer uma análise da concepção que norteou o Araguaia, dos condicionantes que levaram a essa concepção , das alternativas que se ofereciam e, finalmente , voltar à posição inicial , àquele dia 12 de abril de 1972, e responder : o que poderia ter sido feito para levar a um outro desfecho ?




Introdução

Capítulo 1 Primeira Parte

Capítulo 1 – O PC do B: da ruptura ao Araguaia



A ruptura

Em 1949, quando o grupo de alpinismo de Elza Monnerat escalou o morro Dois Irmãos para pichar o nome de Stalin no paredão , com letras de vários metros de altura , eles pintaram à cal a sigla do partido responsável - PCB. Essa era a sigla do Partido Comunista do Brasil, desde a sua fundação em 1922. Durante pelo menos quarenta anos , o Partidão, como era conhecido , foi a maior força de esquerda do Brasil. Pode-se dizer que sua liderança nunca esteve seriamente ameaçada – as organizações trotskistas, anarquistas e socialistas que surgiram nesse período duraram pouco tempo e nunca conseguiram criar bases sólidas entre os movimentos de massa .

Em 1962, Elza Monnerat não conseguia mais reconhecer o partido em que ela ingressara, em 18 de abril de 1945: o estatuto fora mudado para facilitar a sua legalização e se adequar às exigências eleitorais e o próprio nome havia sido modificado para Partido Comunista Brasileiro . Vendo o seu partido tão desfigurado, ela não teve dúvidas em se juntar a um pequeno grupo de militantes e de dirigentes inconformados.

Eles refundaram o partido , mantendo a denominação original e, para se diferenciar do Partidão, lançaram uma nova sigla : o PC do B. A pichação que Elza fizera anos antes ainda era visível para milhares de cariocas , embora a cal , sob a ação do tempo , houvesse desbotado um pouco .

Ao fazer sua opção , Elza sabia muito bem que o “do” acrescentado envolvia muito mais do que uma simples discordância tática . Se tivesse que apontar o momento em que divergências começaram a se cristalizar , ela escolheria uma data : janeiro de 1956. Foi nesse mês que Khruschev leu o seu famoso relatório secreto para uma platéia perplexa , durante o XX Congresso do PCUS ( Partido Comunista da União Soviética ).

Khruschev era o sucessor de Stalin e as acusações que fez contra o seu antecessor eram gravíssimas. Ele afirmou, por exemplo , que 70% dos membros e suplentes do Comitê Central eleitos no XVII Congresso foram presos e fuzilados injustamente . Dos 1.966 delegados desse mesmo congresso , que , ironicamente, é conhecido como o Congresso dos vitoriosos , 1.108 foram presos sob a acusação de crimes anti-revolucionários .

s denúncias caíram como uma ogiva nuclear sobre os comunistas brasileiros . Assim que o Comitê Central se reuniu para tratar do Relatório Khruschev “... houve de tudo : Arruda Câmara , Carlos Marighela e outros chegaram a chorar convulsivamente durante dias ... Prestes chegou a afirmar que , ao saber da veracidade das notícias , pensara em se suicidar, por ter fracassado como comandante .” Muitos militantes evitavam olhar para o morro Dois Irmãos , onde o nome de Stalin resistia ao tempo .

Segundo Khruschev, aquelas práticas encontraram um terreno propício devido ao “ culto da personalidade ” e ao abandono da direção colegiada. Na prática , as decisões mais importantes do partido soviético eram tomadas por Stalin, seu secretário-geral, o guia genial e infalível , que só compartilhava suas opiniões com um pequeno círculo de dirigentes .

No Brasil, há muito , o PCB vinha adotando métodos similares de direção . Moisés Vinhas cita de memória uma afirmação de Diógenes de Arruda Câmara , dizendo que “ não mudaria uma vírgula do projeto de programa do IV Congresso do PCB, pois ele havia sido visto por Stálin”.

Portanto, não é de se estranhar que , mal começado o debate , chovessem críticas dos militantes ao chamado “mandonismo” dos dirigentes locais : Prestes , Marighella, Amazonas e, em especial , Arruda . Com o aprofundamento das discussões , surgiu um grupo , liderado por Agildo Barata e Astrojildo Pereira , que começou a se perguntar se valeria mesmo a pena manter um partido desse tipo . Foram chamados de liqüidacionistas, Agildo foi expulso e a discussão abortada. O partido acabou cerrando fileiras em torno de Luis Carlos Prestes , o seu secretário geral .

Logo, não foram as denúncias contra Stalin que dividiram o partido , pelo menos nesse primeiro momento . O XX Congresso foi marcante sob vários outros aspectos : ao aprovar os princípios da “coexistência pacífica ” e da “ transição pacífica ”, ele sinalizou uma guinada brusca nos rumos do movimento comunista internacional .

Segundo Khruschev, o bloco socialista ocupava “25% da superfície do globo , com uma população superior a 35% do total mundial e suas indústrias contribuem com cerca de 30% da produção industrial do mundo .” Ele concluiu que , se os sistemas capitalistas e socialistas pudessem conviver pacificamente, o socialismo iria se impor gradualmente . Devido ao peso crescente do bloco socialista , “Os povos dos países coloniais e dependentes podem hoje alcançar sua completa independência econômica mediante a conquista ou a consolidação da liberdade política e a realização de uma política externa independente e de acordo com os reais interesses nacionais .” Em outras palavras , a revolução armada não era mais necessária e nem desejável.

Foi exatamente em torno dessas teses que se manifestaram divergências de fundo , que acabariam levando à cisão . Podemos dizer que a luta se travou entre as teses revolucionárias e as teses reformistas.

O partido de Elza Monnerat era o partido que conduzira a insurreição de 1935. Dessa fracassada tentativa de tomar o poder , surgiram os heróis e os mártires retratados na trilogia de Jorge Amado , “Os subterrâneos da Liberdade ”. Lá estão Prestes , Olga e muitos outros dirigentes . Eles são citados pelos seus nomes verdadeiros ou por pseudônimos , que mal encobrem a sua verdadeira identidade (Apolônio de Carvalho , por exemplo , é Apolinário).

Unidos num determinado momento sob a mesma bandeira , ao longo da década de 60, os personagens de Jorge Amado tomariam rumos completamente divergentes . Também no plano internacional , a família comunista começaria se dividir : os chamados “ partidos irmãos ” passaram a se acusar mutuamente de contra-revolucionários.

No final dos anos 60, os militantes de esquerda tinham o hábito de escutarem as rádios estrangeiras: a Rádio Moscou, a Rádio Havana e a Rádio Pequim. O autor se lembra muito bem das transmissões em ondas curtas, que começavam com a introdução : “ Camaradas e amigos , aqui , Rádio Pequim...” No auge da Revolução Cultural, os chineses sempre se referiam à direção soviética como “a renegada-camarilha-revisionista-soviética-de-Breschnev-e-Kossyguin”, tudo isso dito num só fôlego . O adjetivo revisionista indicava que as teses de Khruschev eram um abandono da ortodoxia leninista.

A China, desde 1956, vinha discordando das posições soviéticas sobre Stalin, a coexistência pacífica e a transição pacífica . Em 1960, uma conferência de 81 partidos comunistas , convocada para acertar essas diferenças , terminou com um compromisso entre as duas posições . Em 1969, a dissensão chegou ao seu auge , a ponto de ocorrerem choques armados na fronteira sino-soviética. Em 1962, quando surgiu o PC do B, embora as diferenças fossem marcantes , ainda não se concretizara a cisão do movimento comunista .

O Manifesto Programa do PC do B, que oficializou a ruptura com o PCB, não avançou muito nesse terreno movediço . Ele afirmava sobre as duas potências que “a União Soviética marcha para o comunismo e a China Popular , até há pouco escravizada, forja uma nova sociedade e constitui hoje , um poderoso baluarte da luta contra o imperialismo .” Grifos nossos .

Assim que se separou do Partidão, o PC do B tratou de estabelecer contatos com os principais partidos comunistas . Procurou a União Soviética , Cuba e China. Lincoln Oest era um dirigente histórico , que vivera os momentos difíceis em que o partido , reduzido a um punhado de militantes , era perseguido pela polícia de Getúlio Vargas. Ele participou ativamente desse processo .

Anos mais tarde , no início da década de 70, vivendo sob outra ditadura , ele organizou uma reunião com os estudantes do PC do B que atuavam na diretoria da UNE. O objetivo era passar para os novos militantes um pouco da história do partido . A reunião foi feita num sítio em Jacarepaguá e contou com a ajuda de Carlos Danielli e Luiz Guilhardini. As explanações do camarada Lauro sobre a história do PC do B eram recheadas de relatos envolvendo figuras históricas, o que as tornava muito vivas . Ele nos contou que Fidel Castro recebeu a delegação brasileira em segredo , de madrugada , para não contrariar os soviéticos . Oest acrescentou que a primeira edição brasileira de Guerra de Guerrilhas , do Che, foi patrocinada pelo PC do B. A idéia era mostrar a justeza da luta armada , sem se comprometer com a forma que ela deveria assumir .

Muito cedo , o recém criado partido teve que tomar posição na polêmica que opunha China e União Soviética . Em 1963, no documento “ Resposta a Khruschev”, defendendo-se da acusação de divisionismo, o PC do B afirmava que “... as classes dominantes tornam inviável o caminho pacífico da revolução e, por isso , o povo , sem deixar de utilizar todas as formas de lutas legais , deve se preparar para a solução não pacífica .”

Como conseqüência desse posicionamento , em 1964, antes do golpe , foi enviada uma delegação do PC do B à China, para realizar um curso na Academia Militar de Nanquim . O curso durou 10 meses e teve 9 integrantes : Paulo Mendes Rodrigues; Osvaldo Orlando da Costa ; Daniel Callado; Dynéas Aguiar, Diniz Cabral, um militante de sobrenome Barbosa, um de sobrenome Gomes, um de prenome Senhorzinho e Paulo Roberto Martins. Oito anos mais tarde , os três primeiros teriam a oportunidade de colocar em prática os ensinamentos recebidos.

Em 65, foi enviada uma segunda turma , composta por : José Humberto Bronca , Manoel José Nurchis, Miguel Pereira dos Santos , Elio Cabral de Souza, Amaro Luis de Carvalho , Tarzan de Castro, Gerson Alves Pereira , Ari Holguin da Silva e Elio Ramires Garcia.

Pelo depoimento de Elio Ramires Garcia, podemos ter uma idéia de como foram os cursos . Elio entrou para o PCB em 1960, no Espírito Santo . Em 62, ficou com o PC do B. Três anos mais tarde , indicado por Danielli, partiu para a China. Ele e Gérson Alves Parreira saíram do Rio de Janeiro em maio de 65. Em Zurique se encontraram com Ari Holguin e de lá seguiram para Berna, de trem . Ari era o chefe do grupo e providenciou os vistos de entrada na embaixada da República Popular da China. Depois de alguma demora , seguiram de trem até Genebra , de onde , em 12 de junho , foram para Karachi, no então Paquistão Ocidental . No dia seguinte , voaram até Xangai, com escala em Dacca (no então Paquistão Oriental ). Finalmente fizeram a conexão com Pequim, aonde chegaram no dia 13, à tarde .

A primeira parte do curso foi em Pequim. A rotina era :

- 7:00: café ;

- 8:00 até as 11:00: estudo individual ou conferência de algum especialista . Os temas abrangiam filosofia , o partido , a frente única , a formação de quadros , a atuação na clandestinidade, etc. Ao final de cada tema havia um debate em grupo ;

- à tarde : a mesma programação . O material de consulta era constituído exclusivamente por textos de Mao;

- 18:00 até as 19:00: atividades físicas ( ginástica , tai-chi-chuan, uma pelada , etc.);

- à noite : atividades esportivas , como ping-pong ou futebol , ou culturais: passeios pelos parques , teatro , a Ópera de Pequim ( insuportável para os ouvidos de Elio), cinema , etc.

Em Pequim só se estudaram os textos políticos . Os militares , que não deixavam de serem políticos , ficaram para a Academia Militar em Nanquim . Lá a ênfase continuou nos aspectos teóricos . A base eram quatro textos de Mão : “ Problemas da guerra e da estratégia ”, “ Sobre a guerra prolongada”, “ Problemas estratégicos da guerra revolucionária na China” e “ Problemas estratégicos da guerra de guerrilhas antijaponesa”.

A par desses, havia outros textos de Mao, onde se procurava mostrar que o exército popular era um exército de novo tipo , diferente dos bandos de saqueadores e assassinos comandados pelos “ senhores da guerra ”, tradicionais na história da China. Poderíamos chamá-los de texto político-militares.

Esse novo exército se identificava com as massas e seus corpos eram unidades de produção e de combate - sua manutenção não poderia ser pesada para os camponeses. Os textos básicos eram: “ Nova proclamação das três grandes regras de disciplina e das oito recomendações ”, “A luta nas montanhas Ching-kang”, “ Fazer do exército um corpo de trabalho ”, “ Sobre a produção pelo próprio exército dos bens que necessite”, e “A guerra popular ” (inserida no texto “ Sobre o Governo de Coalizão ”).

Sobre o curso em Nanquim , podemos dizer que tinha o formato de um curso de estado maior . Elio se recorda dos imensos mapas militares , cheios de setas azuis e vermelhas, onde os veteranos da guerra antijaponesa e da guerra de libertação mostravam as campanhas . Poucos foram os exercícios de tiro , de simulação de emboscadas ou de combate .

A estadia na China durou quase sete meses: dois meses e meio em Pequim, três meses em Nanquim e um mês de giro pela China. A delegação esteve em Cantão , Xangai, Hangtchou, Wu-han, Xi-an, onde seriam descobertos os guerreiros de terracota e Nang-chang, entre outras cidades . Em Pequim, conheceu sítios históricos e pitorescos ; visitou a Cidade Proibida , fábricas , creches e conjuntos habitacionais . Houve até tempo para assistir algumas “ peladas ” de futebol no Estádio Olímpico . No dia 30 de dezembro , Elio viajou para Genebra e no começo de janeiro estava de volta ao Brasil.

Em 66, foi enviada a última turma , com aproximadamente 15 militantes . Entre eles : Michéas Gomes de Almeida; João Carlos Haas Sobrinho ; Divino Ferreira de Souza; José Barbosa Oliveira , que teria o codinome de Rafael, Benedito de Carvalho ( codinome Lutero); Lincoln Cordeiro Oest ( membro do Comitê Central ); André Grabois; Nelson Lima Piauhy Dourado ; João Amazonas ( membro do Comitê Central e da Comissão Militar da guerrilha ); Maurício Grabois ( membro do Comitê Central e da Comissão Militar da guerrilha ). Negritamos os nomes dos militantes que foram para o Araguaia. Provavelmente, os membros do Comitê Central não participaram dos cursos , mas , com certeza , debateram a experiência da revolução chinesa com os dirigentes do PCCh ( Partido Comunista da China).

Capítulo 1 - parte 2

Rumo ao Araguaia

Em junho de 66, quando o PC do B realizou a sua 6ª Conferência , Elio estava presente , como delegado do Espírito Santo . Como o partido reivindicava ser uma continuação do antigo PCB, a numeração de suas conferências foi mantida, bem como o nome do jornal do Comitê Central , A Classe Operária .

De 62 até 66, o Partidão havia sofrido uma série de rachas e de cisões , perdera muito da sua influência e se desmoralizara politicamente com a derrubada do governo João Goulart. Os olhares da maioria dos revolucionários brasileiros se voltavam para Cuba , onde uma revolução armada derrubara a ditadura de Fulgêncio Batista .

A Sexta Conferência aprovou um documento intitulado “ União dos brasileiros para livrar o país da crise , da ditadura e da ameaça neocolonialista”, onde propunha a formação de um governo democrático , representativo de todas as forças patrióticas, como forma de aglutinar as forças que se opunham ao regime .

Tarzan de Castro havia sido colega de turma de Elio, em 65. Em entrevista ao Jornal Opção , Tarzan afirmou que guardava uma grata recordação dessa viagem : “Peguei na mão de Mao, num encontro no Palácio do Povo , em Pequim. Passamos uma tarde com ele , com o primeiro ministro Chu-En-Lai, toda a cúpula . Falamos sobre Brasil, América Latina , cultura . Foi um encontro muito agradável e proveitoso ”.
Alegando que a proposta de um governo democrático era um recuo em relação ao governo popular revolucionário que constava no Manifesto Programa , Tarzan de Castro encabeçou o grupo de militantes que criou a Ala Vermelha do PC do B, mais conhecida como Ala Vermelha . A Ala criticava a inação do PC do B e cobrava o início imediato da luta armada .

A crítica à inação é improcedente , pois já estavam sendo dados os passos que levariam ao Araguaia. Embora a formulação teórica da luta armada não estivesse acabada , a VI Conferência assinalava que “a luta revolucionária em nosso país assumirá a forma de guerra popular ”. Segundo depoimento de Elio, os militantes estavam conscientes de que a luta armada era inevitável e a ela se referiam como sendo “a quinta tarefa ”.

Em 66, começam a chegar os primeiros militantes à área da futura guerrilha do Araguaia. Na verdade , o trabalho no campo é bem anterior . “A partir de 1964, pessoas e recursos começam a ser deslocados para o campo . O dirigente Maurício Grabois e o economista Paulo Rodrigues, militante comunista desde 1960, estão entre esses quadros ... No intuito de localizar uma zona adequada ao propósito do Partido , os dois homens vão percorrendo parte do país de sul a norte .”[in Maia , Iano Flávio et alli, p. 39].

A área procurada deveria ter condições geográficas favoráveis à guerrilha e desfavoráveis às tropas regulares e uma população com bom potencial de luta . Nessa pesquisa os dois chegaram até Porto Franco , no Maranhão, de onde seguiram para o sul do Pará .

“ Paralelamente , Pedro Pomar e Carlos Danielli também realizam expedições . Danielli... viaja pelo Nordeste . Mais especificamente pelo Ceará, Piauí, Maranhão e oeste da Bahia.... Pomar se desloca através de Goiás, Maranhão e sul do Pará , disfarçado de vendedor de remédios ... Depois dessas viagens de reconhecimento , ele e Ângelo Arroyo ficam responsáveis por preparar a instalação de militantes em Goiás.” [in Maia , Iano Flávio et alli, p. 39]

“ Pomar e Arroyo instalam militantes como fazendeiros , posseiros ou comerciantes em pequenas cidades de Goiás. Mas a região apresenta alguns pontos negativos . A população que seria a base de massa da guerrilha , é muito dispersa e tende a se movimentar acompanhando a mudança da fronteira agropecuária .” Grifos nossos .[ idem ]

Em 65, Vitória Grabois, filha de Maurício Grabois, seu marido , Gilberto Maria Olímpio, Osvaldão e Paulo Rodrigues se instalam em Guiratinga no Mato Grosso . Em depoimento dado à Deusa Maria de Souza, Vitória dá mais detalhes :

“ Sobre esse episódio que eu saiba não há nada escrito , nem o PC do B fala algo . No início dos estudos para viabilizar a Guerrilha era necessário escolher uma região adequada para iniciar o movimento . Gilberto, Paulo, Osvaldão e eu fomos para o oeste de Mato Grosso . Gilberto e eu alugamos uma casa na cidade de Guiratinga. Paulo tinha um jeep e era “ sócio ” do Gilberto em um negócio de venda de roupas ; Osvaldão era garimpeiro , na região e eu professora e dona de casa . Minha tarefa era o apoio logístico e também angariar o apoio das populações ; a de Gilberto e Paulo era de reconhecimento de toda a região oeste de Mato Grosso ; a de Osvaldão, inserção com as massas .

Foi um momento muito rico em minha vida . Ano de 1965, eu estava com 21 anos , recém casada e dona do meu próprio espaço .

Trabalhei com a população local como professora e me tornei uma pessoa muito popular . Após 8 meses, o grupo se desfez e voltei para SP e fiquei grávida, não retornando mais à região .”

Analisando o reconhecimento feito , o partido chegara à conclusão de que a área não era adequada. A busca prosseguiu rumo ao norte : centro-oeste e norte de Goiás e sul do Maranhão e Pará .

Ozeas Duarte ingressou no PCB em 1961, por ocasião da renúncia de Jânio Quadros . Em 64, logo depois do golpe , se juntou ao PC do B. Em 66, era o delegado do Ceará à VI Conferência . Em correspondência trocada conosco , ele fala de mais três áreas :

“Sei de mais três regiões de trabalho no campo : no Vale do Ribeira , trabalho embrionário conduzido por Pomar , ao que me parece, muito problemático , até mesmo pela localização . Não deu certo . Outro foi na Serra da Ibiapaba, área do bispo D. Fragoso , sujeito de esquerda , que mantinha contato e trabalhava com o partido sem nenhum problema . Quem estava à frente era Vladimir Pomar . Essa área foi abandonada, queimada por uma panfletagem absurda que fizeram por lá . E outra era no sul da Bahia, que mudou para MG e depois para MT. A repressão dava em cima , mas como era um movimento de massa um pouco mais amplo , o pessoal botava o povo dentro de ônibus , formava a caravana e se mudava, posseiros em novas terras devolutas. Dessa área saiu um torneiro mecânico que foi para o Araguaia. Virou armeiro , arrumador de armas que não tinha como arrumar .”

Em outubro de 67, Che é assassinado na Bolívia. No Brasil e no mundo , 1968 é marcado por manifestações estudantis e greves operárias. Aqui , a partir de 69, o aumento da repressão e a impossibilidade de se repetirem as grandes passeatas , levou várias organizações revolucionárias a optarem por ações armadas nas cidades . Eram inspiradas pela teoria do foco , uma generalização apressada da experiência cubana. (O foco era o embrião da guerrilha . Deveria se localizar no campo e era formado por um pequeno número de militantes oriundos das cidades ).

Esse diálogo entre José Dirceu e Wladimir Palmeira , que em 68 eram duas lideranças estudantis de projeção nacional , é esclarecedor :

“ Para a linha geral do movimento , na esquerda revolucionária , foi a Revolução Cubana que influenciou decisivamente . Primeiro , pelo mito do Che Guevara que nós tínhamos já antes do maio francês . Che era adorado. O curioso é que a esquerda brasileira nunca repetiu o que houve em Cuba . Ela dizia “vamos assaltar bancos para financiar o foco ”, mas como nunca acumulou dinheiro suficiente , assaltar bancos virou ação . Fazia propaganda armada , mas nunca se chegou sequer a ser como um foco cubano, embora a motivação original de se pegar em armas fosse montada nessa concepção . Geraríamos o foco guerrilheiro e as massas adeririam, uma concepção que está em A Revolução na revolução , o livro do Régis Debray.

Zé Dirceu: O foco foi concebido pela ALN e pelo Carlos Marighella. Depois a ALN e o Molipo tentaram implantá-lo em Goiás, em algumas regiões , mandando pessoas para lá . Evoluiria para uma coluna guerrilheira , que no fundo é um foco . Mas nunca foi além de levar armas , comprar propriedade e levar umas cinco ou seis pessoas . Nunca passou disso.

Vladimir Palmeira: É tudo uma baboseira , sabe por quê ? Porque o Régis Debray não conhece nada de Cuba .

Zé Dirceu: Nem da América Latina .[in Blog do Zé Dirceu].

Em 68, o PC do B publicou o documento “ Alguns problemas ideológicos da revolução na América Latina ”. O documento critica as concepções que negavam o aspecto nacional e democrático da revolução , condena a posição reformista do PCB e, indiretamente , a posição dúbia de Cuba , frente ao chamado revisionismo soviético . Há uma frase , atribuída a Fidel, que ilustra com muita felicidade esse posicionamento : “ meu coração está com a China, mas meu estômago está com a União Soviética .” Entretanto , a formulação da guerra popular , junto com uma avaliação crítica de outros caminhos para a luta armada , só será feita em 69.

Em Havana , o Museu da Revolução , antiga sede do governo de Batista , ainda guarda as marcas de bala em suas escadarias . Na área do museu , pode-se ver o Gramma, que mais se pode chamar de barquinho, do que de iate . É inacreditável que 80 homens pudessem caber nele. No segundo andar , vendo os mapas e as maquetes militares , deparamos com algo mais inacreditável ainda : em apenas dois anos , os 12 sobreviventes do desembarque conseguiram derrubar o ditador Fulgêncio Batista !

Não cabe aqui analisar as causas da vitória da revolução cubana, mas , certamente , entre os fatores decisivos estavam: a existência de um amplo movimento de massas nas cidades ; o isolamento de Batista , cuja ditadura foi uma das mais sangrentas dessa parte do mundo e um movimento camponês com tradição de luta . Não foi o exemplo heróico de um punhado de guerrilheiros que colocou toda essa massa em ação ; ao contrário , foi a existência desse enorme potencial revolucionário que assegurou o êxito da luta armada .

De novo , recorremos à opinião de Wladimir Palmeira :

“Vladimir Palmeira : No dia em que Fidel iria desembarcar , naquela aventura , havia uma insurreição popular com cinco mil militantes , na segunda cidade mais importante de Cuba , Santiago. Transposta para o Brasil, equivaleria a uma insurreição no Rio . Só que o barco do Fidel atrasou dois ou três dias . A insurreição foi derrubada nesse período , e ao desembarcar Fidel estava vendido. Mesmo assim , ele tinha contato no campo . Não foi chegar e botar os caras sem nenhum contato . São essas são bobagens que Debray exacerbou. Existia em Cuba uma tradição de guerrilha rural , desde que o país ficou independente . Debray fez um manual que descaracterizava a história da Revolução Cubana. Nem a revolução foi como ele disse – que tinha uma certa dose de aventura . Fidel era um cara excessivamente voluntarioso , mas contava com uma base política e de apoio enormes . Não tinha nada a ver com aquilo que tentamos fazer aqui . Imagina, você chegar numa cidade como o Rio e fazer uma insurreição por três dias . O livro do Debray prejudicou muito . A questão da luta armada devia ser tratada de forma mais séria .” [ in Blog do Zé Dirceu]

Nenhum dos quadros iniciais da guerrilha cubana tinha uma formação política mais sólida . O próprio Che tinha apenas tinturas de marxismo . Não é de se estranhar , que essa rica experiência ficasse reduzida a uma fórmula mágica , a teoria do foco .

O documento do PC do B, de janeiro de 69, “ Guerra Popular , caminho da luta armada no Brasil”, faz um resumo bem apropriado dessa teoria . “Esta teoria não tem em conta a situação objetiva , as forças de classe em presença e o processo político em curso . É uma concepção voluntarista. Segundo os teóricos do “ foco ”, a guerrilha se desenvolve harmonicamente, “a partir de um núcleo central único ”, situado em regiões pouco acessíveis e com combatentes provindos das cidades . Esse núcleo cresce até se transformar numa coluna-mestra que , ao atingir 120 a 150 homens , dá origem a outra coluna que , por sua vez, origina mais outra e assim por diante . Sua existência e manutenção dependem fundamentalmente dos centros urbanos . Seu método não tem em vista ganhar as massas para que elas mesmas façam a sua guerra . O “ foco ”, segundo seus defensores , por si só , através de atos heróicos de pequenos grupos , atrai novos combatentes e conduz a revolução à vitória . A guerrilha é o próprio partido .”

Em contraste , vejamos o resumo dos aspectos básicos da guerra popular , segundo o PC do B: “... será uma guerra de cunho popular , travar-se-á fundamentalmente no interior e mobilizará as grandes massas camponesas, será prolongada, deverá apoiar-se em recursos do próprio país , empregará o método da guerrilha em grande escala , forjará o exército popular , estabelecerá bases de apoio no campo . Terá que se orientar , durante muito tempo , pelos princípios da defensiva estratégica e deverá guiar-se por uma política correta .”

Em dezembro de 69, o PC do B lançou o documento “ Responder ao banditismo da ditadura com o avanço da luta do povo ”. Internamente , ele se tornou conhecido como o documento da “revolucionarização”. Considerando o agravamento da repressão e sabendo que em breve o partido poderia iniciar ações armadas no campo , a direção procurava preparar os quadros e os militantes para a nova situação .

“Impõe-se a revolucionarização cada vez maior do Partido . Seus dirigentes e militantes precisam dedicar-se integralmente à tarefa de aplicar a orientação partidária . Cada comunista tem que organizar sua vida de maneira a consagrar o máximo de seu tempo ao Partido , transformar-se num autêntico soldado da causa do povo , pronto a executar qualquer atividade e onde quer que seja. Tem que evitar tudo que possa prejudicar sua militância revolucionária . Deve estar preparado , moral e ideologicamente para arrostar todas as dificuldades e enfrentar todos os sacrifícios . Para ser um autêntico servidor do povo tem de subordinar sua vida e atividade às necessidades do Partido e da revolução , estar sempre pronto a realizar o trabalho mais difícil que a luta revolucionária exige.” Grifos nossos .

A partir de 1970, se acelera o envio de militantes para a região do Araguaia. Eram muitos os que se ofereciam como voluntários para ir para o campo , onde era esperado que fosse se travar a luta armada . Por outro lado , o partido era cobrado tanto internamente , pelos seus militantes , quanto externamente , pelos militantes das organizações que já haviam iniciado as ações armadas , pela demora em dar uma resposta efetiva ao endurecimento do regime militar .

Ao final desse livro , pretendemos fazer uma ampla avaliação da política do PC do B em relação ao Araguaia, entretanto , fazem-se necessários dois reparos iniciais . Primeiro : é preciso examinar com muito critério a afirmação de alguns sobreviventes da guerrilha de que não tinham noção do tipo de trabalho que encontrariam no Araguaia. Embora a localização da futura guerrilha não fosse conhecida até por parte do Comitê Central , o sentimento geral no partido era de que em breve seriam desencadeadas ações armadas no campo . O autor se lembra bem de que , em Porto Alegre , um militante havia “ dado um prazo ” para que a guerra popular começasse, sob pena de ele não acreditar que o partido estivesse falando sério . Isso foi um pouco antes do começo da guerrilha .

Segundo: é falso dizer que o PC do B estivesse abandonando o trabalho legal e as entidades de massas , legais ou clandestinas. Essa era a visão das organizações foquistas, que recrutavam a grande maioria dos seus militantes entre os estudantes . Como não era mais possível repetir as passeatas de 68, elas teorizavam que o papel do movimento estudantil era o de fornecer quadros para a revolução . Mesmo a atuação nas entidades legais , estreitamente vigiadas, poderia “ queimar ” os militantes . Preferiam organizar círculos de leitura e de estudos entre a chamada vanguarda .

O caso da UNE é emblemático . Embora tivessem um grande peso no movimento estudantil em 68 e 69, essas organizações abandonaram a entidade e, na diretoria eleita no XXXI congresso , realizado em 71, só havia militantes do PC do B e da AP , que já eram majoritários nas entidades legais (a AP estava cindida em duas grandes correntes ). A AP era uma organização revolucionária , originada da esquerda católica , que evoluiu até o maoísmo. Teve grande influência nos movimentos populares da década de 60. Betinho, o irmão do Henfil, foi um dos seus fundadores .

Em linhas gerais , essa foi a trajetória política do PC do B da ruptura até o Araguaia: desligou-se do PCB em 62, em virtude de sua política reformista; optou desde o início pela luta armada ; alinhou-se ao lado da China na cisão do movimento comunista internacional ; iniciou desde 64 a preparação do trabalho do campo e a escolha de uma área com potencial para futuros conflitos armados; definiu, em 66, na VI Conferência , uma plataforma política capaz de unir as grandes massas do país no quadro de uma revolução nacional e democrática ; delineou, em 69, o que seriam os princípios básicos da guerra popular e, a partir desse ano , intensificou a remessa de militantes e a preparação ideológica do partido para os futuros confrontos . Ao mesmo tempo , manteve a sua atuação nas cidades , nas entidades de massas , legais ou não .


Capítulo 3 - Primeira parte


O Destacamento do Osvaldão

José Genoino Neto , o ex-presidente do PT, conta que deixou São Paulo no dia em que a Seleção Brasileira , tri-campeã do mundo no México, chegou à cidade para desfilar no Anhangabaú. Ele aproveitou o momento para pegar um ônibus na Rodoviária de São Paulo com destino a Campinas . Genoino sabia que o PC do B preparava a luta armada no campo , apresentou-se como voluntário e foi enviado para essa missão . Quando entrou no ônibus , ele não conhecia o seu destino final , só a sua primeira escala . Lá teria que cobrir um ponto * e receber mais instruções . Em Campinas , soube que ia para Anápolis.
*Cobrir um ponto era comparecer na hora marcada a um local previamente combinado. Às vezes , as pessoas se identificavam através de senhas . Em caso de desencontro , poderia haver uma alternativa , um ponto em outra data e/ ou local .

Em Anápolis, Genoino encontrou com um velho conhecido do movimento estudantil cearense , Glênio, que ia para a mesma missão . Os dois foram contatados por José Humberto Bronca , um ex-metalúrgico gaúcho , que os iria conduzir , daí em diante . Passaram um dia fazendo pequenas compras : remédios , facão , machado , panelas e mantimentos . Depois , seguiram de ônibus até Imperatriz, no Maranhão, fazendo de conta que não se conheciam.

Em Imperatriz, se hospedaram em hotéis diferentes . Gastaram mais três dias fazendo compras , separados. Só então , Genoino soube que entraria na mata pelo rio , num barco . A viagem de Imperatriz para Porto Isabel durou cinco dias ; primeiro descendo o Rio Tocantins, até São João do Araguaia, depois subindo o Rio Araguaia. No barco , os três já se apresentavam como conhecidos . Glênio e Genoino contavam aos camponeses que ia morar com um tio , no sul do Pará .

De Imperatriz em diante , não havia mais pontos de referência : só a mata e o rio . A selva ia engrossando, à medida que o destino final se aproximava. Os últimos 14 quilômetros foram feitos a pé , porque o Araguaia havia baixado e a cachoeira de Santa Isabel não estava transponível.

Bronca já estava na região desde 69 e era muito bem relacionado com os moradores. De cada um que encontrava, recebia a mesma pergunta : - o Osvaldão, como vai? - O Negão está bem ? - E o Mineirão? Glênio e Genoino se perguntavam quem seria esse personagem tão popular .

Finalmente chegaram a um pequeno rancho , numa região de capoeira , onde um negão fritava um bife de veado , em companhia de um velhinho de 60 anos . A recepção foi calorosa . Genoino recebeu arma , facão e botina , foi colocado a par das características da região e ganhou de lembrança do seu tio uma folhinha do calendário . A data era auspiciosa , 26 de julho * . O tio , ele soube mais tarde , era Amazonas .
*26 de Julho é o nome do principal movimento rebelde cubano. Nessa data houve o fracassado ataque ao quartel de Moncada, que terminou com a morte de vários rebelde e a prisão de Fidel Castro

O negão até hoje é uma figura lendária no Araguaia. Seu próprio físico o tornava inesquecível : negro , quase dois metros de altura , sapato 48, dotado de enorme força física (havia sido campeão de box pelo Botafogo). Em 62, quando foi estudar engenharia na Tchecoslováquia, foi tema de um livro “O homem que parou a cidade ”, do escritor tcheco Cytrian Ekwensi.

Sandra Negraes Brisolla, professora da Unicamp, que o conheceu em Praga , lembra de um relato curioso : ” Quando cheguei a Praga , os meninos passavam saliva no dedo e esfregavam meu braço , para ver se a cor da minha pele saía. Nunca tinham visto um negro – contou [Osvaldão]”. Foram estas características tão marcantes que o afastaram das cidades , onde dificilmente poderia se esconder da repressão .

Assim que retornou da Tchecoslováquia, Osvaldão entrou para o PC do B. Como vimos, desde 65, ele já estava envolvido no trabalho de campo do partido , no norte de Goiás. No Araguaia, ele foi o primeiro a chegar , ainda em 66. Atuando como garimpeiro e mariscador (caçador de peles ), conhecia a área profundamente . Em 69 comprou uma posse às margens do Rio Gameleira , na região de Couro D’ antas .

Amazonas era o Secretário Geral do PC do B. Paraense , nascido em 1912, João Amazonas entrou para o partido em 1935. Ele e Pedro Pomar atuavam no Pará . Em 1940, os dois foram presos , junto com outros dirigentes locais . Segundo relato do próprio Amazonas : “Na prisão , recebemos a notícia da invasão da União Soviética pela Alemanha hitlerista . Nossa indignação foi enorme . Reunimos, nesse mesmo dia , e juramos sair da prisão para continuar a luta de vida e morte contra o nazismo .” .

A fuga deu certo e os dois se dirigiram para o Rio de Janeiro , passando pela região do Bico do Papagaio . Foi o primeiro contato de Amazonas com o futuro cenário da guerrilha . No Rio , encontraram-se com a Comissão Nacional de Organização Provisória (CNOP), dirigida por Maurício Grabois e Amarílio Vasconcelos. Em seguida , contataram Diógenes Arruda , que tentava reorganizar o partido em São Paulo. Era a agonia da noite ( título do segundo volume da trilogia de Jorge Amado ). O partido estava desmantelado e os remanescentes eram caçados pela polícia de Getúlio.

Graças aos esforços da CNOP, em agosto de 43, foi realizada a 2ª Conferência Nacional do PCB, conhecida como “ Conferência da Mantiqueira”. “ Segundo Dinarco Reis , a reunião ” foi realizada numa pequena cafua de telha-vã e chão de terra , com sala , quarto e cozinha , local bastante exíguo para tantas pessoas (...) Dormíamos no chão de terra forrado por sacos e jornais . À noite o frio castigava duramente , pois era inverno nessa região bastante alta ”.” Nesta Conferência , Amazonas foi eleito para o Comitê Central .

Em 45, finalmente chegou a luz no fim do túnel ( título do último volume da trilogia de Jorge Amado ): vieram a anistia e a legalização do PCB. João Amazonas foi eleito deputado federal para a Assembléia Constituinte , juntamente com Maurício Grabois e Diógenes Arruda . Depois da cassação dos deputados comunistas , já no governo Dutra, o trio assumiu a direção cotidiana do Partido .

Em 1968, 27 anos depois de sua fuga , Amazonas retornou à região . Inicialmente , ele se estabeleceu num povoado chamado Faveira, às margens do Rio Araguaia. Mais tarde se deslocou para a posse de Osvaldão. Conheci Amazonas uma década depois de sua saída do Araguaia. Seu aspecto físico era o de um típico caboclo : baixo , franzino , rosto largo , com traços indígenas . Na região , ele poderia passar despercebido , a não ser pela sua voz , que , embora fraca , prendia a atenção de todos à sua volta e pela autoridade que dele emanava.

Uma das primeiras tarefas dos dois sobrinhos foi construir uma casa , a 150 metros do Rio Gameleira , onde Osvaldão, Glênio, Genoino, Amazonas e Bronca foram morar .



Capítulo 2 -


A composição dos destacamentos


Ao deslocar mais de 70 militantes para a região do Araguaia, o PC do B pretendia formar três destacamentos , cada um com 23 combatentes : um comandante , um vice-comandante, e três grupos de sete guerrilheiros . Previa-se que , ao final de 1972, os efetivos estivessem completos , a área mapeada e o treinamento militar concluído. Caberia ao partido escolher como e quando iniciar a luta armada .

Ângelo Arroyo era um operário paulista que ingressou no PCB em 1945, com 17 anos . Em 54, foi eleito membro do Comitê Central . Desde o início , se opôs as teses de Khruschev e, em 62, participou da reorganização do partido . No PC do B, era membro do Comitê Central e de sua Comissão Executiva . Fazia parte da Comissão Militar , a qual os três destacamentos estavam subordinados . Ele sobreviveu ao aniquilamento da guerrilha e escreveu um relatório , o chamado Relatório Arroyo, uma de nossas fontes primárias.

Para facilitar a leitura , além das tabelas que constam nesse capítulo , elaboramos um encarte . Ao lado do nome dos militantes , colocamos os nomes de guerra com os quais eram conhecidos entre os moradores e entre os próprios companheiros . O Relatório Arroyo utiliza quase sempre esses nomes de guerra . Para evitar confusões (existia um Zezinho do destacamento A e um do destacamento B, por exemplo ), nós fixamos um nome , que , se for o caso , virá sempre em itálico .


Capítulo 3 segunda parte

O álbum de fotos

Zé Dirceu, Wladimir Palmeira e Genoino, hoje lideranças nacionais do PT, são velhos conhecidos . Em 1968, em um sítio em Ibiúna, São Paulo, eles participaram do lendário XXX Congresso da UNE – União Nacional dos Estudantes . A polícia descobriu o local e os setecentos e poucos delegados foram presos e colocados em fila , no meio da lama , para serem revistados e enviados para o Presídio Tiradentes.

Um estudante ficava repetindo a música : “ Aqui dá pra rir , dá pra chorar ... enquanto todo o resto ria . De repente , passou uma camionete C-14 da polícia , com Wladimir, Travassos , Zé Dirceu e o então Presidente da UBES – União Brasileira dos Estudantes Secundaristas , Antônio Guilherme Ribeiro Ribas . Os estudantes passaram então a entoar o refrão : “A UNE somos nós , nossa força , nossa voz ”, para demonstrar que estavam unidos, apesar das divergências que pudessem haver entre suas lideranças .

Quando um dos policiais que comandavam a operação identificou o Presidente da UBES, Antonio Ribas , disse mais ou menos o seguinte : “ Você não tem jeito mesmo , seu Ribas , foi preso entregando panfletos no Desfile de 7 de setembro (...) foi solto na véspera desse Congresso da UNE. Hoje , três dias depois de ser solto, já é preso novamente . Você é um caso perdido” . De fato , felizmente , ele era um caso perdido. No dia seguinte , os jornais estamparam a foto de Guilherme, ao lado de José Dirceu, sendo transportados para o Presídio Tiradentes. Infelizmente , essa não foi a única foto tirada . A polícia montou um álbum de fotografias do Congresso , que mais tarde seria o pesadelo dos militantes clandestinos .

Ribas, Zé Dirceu, Wladimir Palmeira e Travassos se tornaram conhecidos como “o grupo dos quatro ”. Guilherme foi condenado a um ano e seis meses de prisão , acusado de organizar o Congresso . A maioria dos presos foi solta através de habeas-corpus, mas o AI-5 , decretado numa sexta-feira 13 de dezembro de 68, suspendeu esse instrumento e manteve o grupo dos quatro na cadeia .

Quando ocorreu o seqüestro do embaixador norte-americano , em setembro de 1969, Guilherme estava no Presídio Tiradentes. Aqui existe um ponto obscuro em sua história . Alguns dizem que ele seria incluído na lista dos presos a serem libertados, outros dizem que não .

Seja lá como for, no final de 1969, Diógenes Arruda e Paulo de Tarso Venceslau , se juntaram ao Guilherme numa das celas do Presídio Tiradentes. A cela tinha até nome , “Monteiro Lobato”, em homenagem a um antigo hóspede . Paulo de Tarso nos conta :

“ Durante todo tempo que estivemos presos mantivemos [ ele e Ribas ] um bom relacionamento. Diferente foi o relacionamento com Arrudão, sempre marcado por altos e baixos , porém com muito respeito ”. (...) “Na época , minha organização - ALN - tinha críticas ao PC do B, considerado uma variante chinesa do reformismo soviético . (...) Como não sabia da iniciativa em Goiás e Sul do Pará , eu achava que o discurso de Arruda não passava de retórica . Difícil foi ter de engolir que Ribas saiu da prisão e seguiu logo depois para a área rural . Ninguém imaginava que aquilo pudesse acontecer ”.

Guilherme foi solto em abril de 1970. Talvez tenha sido o último preso de Ibiúna a sair do cárcere . Imediatamente , entrou na clandestinidade. Primeiro foi para uma fazenda da família em Limeira (SP) e depois seguiu para Duque de Caxias , baixada fluminense . Antes de embarcar para o seu destino de guerrilheiro nas matas do Araguaia, fez uma última reunião com a família . Naquela noite afirmou: “voltarei à frente de uma revolução ou não voltarei”.

Quando Ribas chegou à região do Rio Gameleira , em outubro de 1970, adotou o nome de Zé Ferreira . Como não havia condições de ficar todo mundo numa mesma casa , comprou um castanhal a 24 km . do rio , que passou a ser conhecido como “O Castanhal do Zé Ferreira ”. A área era relativamente deserta e poderia abrigar mais companheiros .










Nenhum comentário:

Postar um comentário