quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

TIROTEIOS DE FANTASIA

Tiroteios de fantasia
Manoel Aleixo da Silva (1931 – 1973)
Manoel Lisboa de Moura (21/2/1944 – 4/9/1973)
Emmanuel Bezerra dos Santos (17/6/1943 – 4/9/1973)

Carta-denúncia, anônima, divulgada em 1º de setembro de 1973:
Há algum tempo, desde os fins do corrente ano, Recife, a ‘cidade das revoluções libertárias’, encontra-se sob terror de bandos armados cuja missão é sequestrar pessoas indefesas, torturá-las e ameaçá-las de morte. ??? ?R?
Segue-se o relato de vários casos de pessoas sequestradas em locais públicos, entre eles o de “Manuel Lisboa de Moura, estudante de Medicina em Alagoas, até 1964”
São oito vidas em perigo entre tantas outras que não tomamos conhecimento e que também estão ameaçadas. Podemos salvá-las na medida em que a divulgação da denúncia que fazemos dificultar qualquer plano dos carrascos no sentido de apresentá-los depois como “terroristas assassinados quando planejavam ação de terror contra o governo” ou “quando tentavam reagir à bala ao cerco policial”. Todos eles foram presos sem reação armada. Se forem assassinados, o serão friamente e a responsabilidade será das autoridades militares, dos generais e coronéis fascistas, que acobertam, apóiam e estimulam bandos facínoras, semelhantes à SS e à Gestapo de Hitler, especializadas em sequestros, torturas, violação de domicílios e assassinatos.
Diário de Pernambuco, 5 de setembro de 1973:
São Paulo – (Meridional – DP) – Durante tiroteio com agentes dos órgãos responsáveis pela segurança interna, morreram, na manhã de ontem, em Moema, nesta Capital, os terroristas Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra dos Santos, que fizeram parte do atentado ao marechal Arthur da Costa e Silva, então Presidente da República, em 1966, no Recife.

Parecer do general Oswaldo Gomes, na Comissão Especial, 18 de março de 1966:
A versão oficial da morte em tiroteio de um elemento, já preso, que é levado ao encontro de outro e desse tiroteio não há notícia de ferimento em nenhum elemento da Segurança, não convence o relator como não convenceu no caso de Manoel Lisboa de Moura.
Sou de parecer que o representante deve ser atendido e que a Comissão considere que Emmanuel Bezerra dos Santos faleceu por causas não-naturais, preso em dependência policial por motivo de suas atividades políticas, configurando-se a hipótese prevista no art. 4 inciso 1º letra b da Lei 9.140/95, de 4 de setembro de 1995.

Os mortos do PCR
Entre 29 de agosto e 4 de setembro de 1973, três dos principais dirigentes do Partido Comunista Revolucionário (PCR) foram presos, torturados e mortos pela repressão. A versão oficial foi a mesma: tiroteio com agentes policiais.
Manoel Aleixo da Silva, pernambucano de São Lourenço da Mata, líder camponês conhecido como Ventania, morreu aos 42 anos, no município de Ribeirão, em Pernambuco, no dia 29 de agosto de 1973.
Manoel Lisboa de Moura, alagoano de Maceió, ex-estudante de Medicina da Universidade Federal de Alagoas, foi preso no Recife no dia 16 de agosto.
No mesmo dia, também no Recife, foi preso Emmanuel Bezerra dos Santos, nascido em São Bento do Norte, líder estudantil no Rio Grande do Norte, ex-presidente da Casa do Estudante de Natal.
Ambos foram torturados no Dops/PE, transferidos para o Dops/SP, novamente torturados, e morreram em 4 de setembro de 1973, Manoel com 26 anos e Emmanuel com 29 anos.

O caso Ventania
A circunstância da prisão de Manoel Aleixo da Silva, em Joaquim Nabuco, foram relatadas por sua companheira Isabel Simplício da Conceição, com quem morava há mais de seis anos. Vizinhos e amigos também testemunharam sobre a prisão de Ventania.
No início da manhã do dia 29 de agosto, Isabel ouviu Manoel sendo chamado por quatro ou cinco homens para descer o morro e entrar em um carro que estava estacionado embaixo de uma árvore. Ela levantou da cama e viu pela janela um carro grande, verde-cana escuro, no qual Ventania entrou sem oferecer resistência, seguido dos homens, um deles usando botas de soldado.
Manoel já tinha sido preso antes, em 1969, quando fazia dois anos que morava com Isabel e dizia que só queria filhos depois que houvesse justiça no campo. Desta vez, porém, Manoel não voltaria mais. Dias depois, companheiros contaram a Isabel que ele tinha morrido trocando tiros em Ribeirão com um sargento do Exército. Ela não acreditou porque Ventania nunca andava armado e não tinha aparecido em casa desde que os homens o levaram. Isabel achava que ele fora morto porque era das Ligas Camponesas. Ela contou que apoiava a luta, e que agora espera justiça – “para que nunca mais aconteça outro final de agosto tão triste como o de 1973”.
Manoel não deixou filhos.
A relatora do caso na Comissão Especial, Suzana Keniger Lisbôa, argumenta em seu parecer:
Com a abertura dos arquivos do Dops/PE, pôde-se saber parcialmente a verdade dos fatos, ou seja, que Manoel foi preso em Joaquim Nabuco, levado para Recife e no dia seguinte para a periferia de Ribeirão, onde foi morto ou deixado morto. Foi assassinado com um único tiro nas costas, conforme consta em seu laudo de necropsia, dado por Jorge Francisco Inácio, agente da repressão política, qualificado em seu depoimento ao Dops apenas como funcionário público. Esse assassinato foi tratado pelo delegado do Dops do Recife, dr. José Oliveira Silvestre, com um ato de quem “agiu no estrito cumprimento do dever legal, consoante disciplina e nossa legislação em vigor”.
E dá o seu voto:
Considerando o acima citado exposto, torna-se evidente que Manoel Aleixo da Silva foi preso por agentes dos órgãos de repressão política, torturado até a morte em alguma dependência policial ou assemelhada e levado para Ribeirão, onde foi montado mais um dos macabros teatrinhos de tiroteio destinados a encobrir os assassinatos sob tortura.
Infelizmente, esta Comissão Especial não tem poderes para atender à solicitação da viúva de restabelecer as reais circunstâncias da morte de Ventania, sendo entretanto legítima sua solicitação de incluí-lo dentre os beneficiários da Lei 9.140/95.
Encontro impossível
A versão oficial das mortes de Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra dos Santos baseia-se no fato de que eles tinham um encontro marcado no dia 4 de setembro de 1973, no largo de Moema, em São Paulo. Emmanuel Bezerra estaria naquele Estado, após ter chegado do exterior, e Manoel Lisboa, preso no Recife, teria dado essa informação à polícia, sendo por isso levado para lá, onde iria encontrá-lo. Na hora marcada, com o Largo de Moema cercado pelos policiais, e Manoel Lisboa à espera, sob vigilância, aconteceu um imprevisto: ao chegar, Emmanuel Bezerra percebeu que tinha sido traído ??? ?R?e atirou em Manoel Lisboa. Os policiais reagiram e ambos foram mortos. O tiroteio resolvia dois problemas para as autoridades: justificava a morte dos dois e os desmoralizava. Além disso, imputava aos dirigentes do PCR o atentado contra o marechal Costa e Silva, ocorrido em 1966, no Aeroporto de Guararapes, no Recife, no qual morreram duas pessoas, e que era de autoria desconhecida.
O que derruba a ficção criada pela polícia é o fato de Emmanuel Bezerra ter sido preso no Recife, no dia 16 de agosto, juntamente com Manoel Lisboa. A equipe chefiada pelo policial conhecido como Luiz Miranda, responsável pelas torturas que ambos sofreram no Dops/PE, negociou com o delegado Sérgio Paranhos Fleury a transferência deles para São Paulo. Luiz Miranda escoltou os presos na viagem e participou das sevícias que a equipe de Fleury praticou contra eles até matá-los.
Na Comissão Especial, o general Oswaldo Gomes relatou o caso de Emmanuel Bezerra e Eunice Paiva, o de Manoel Lisboa de Moura.
O Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos a Partir de 1964 esclarece o seguinte:
Sobre Emmanuel: As fotos do Instituto Médico Legal mostram um corte no lábio inferior produzido pelas torturas, que o médico-legista Harry Shibata afirmou ser fruto de um tiro. Segundo denúncia dos presos políticos, Emmanuel foi morto sob tortura no DOI-Codi/SP, onde o mutilaram, arrancando-lhe os dedos, o umbigo, o??? ?R?s testículos e o pênis.
Sobre Manoel Lisboa: A requisição do exame necroscópico foi assinada pelo delegado Edsel Magnotti, e o laudo pelos médicos-legistas Harry Shibata e Armando Cânger Rodrigues, que confirmaram a versão oficial.
A denúncia de Selma Bandeira Mendes e de vários outros presos políticos, que se encontravam nas dependências do DOI-Codi/SP naquele período, diz que o corpo de Manoel estava coberto de queimaduras, estando, inclusive, quase paralítico.
O capitão do Exército Carlos Cavalcante, membro da família de Manoel, tentou resgatar o corpo que, embora tivesse sido enterrado como indigente no Cemitério de Campo Grande/SP, poderia ser exumado, desde que a família se comprometesse a não abrir o caixão, que seria entregue lacrado, ao que a família se recusou, por não poder nem ao menos a certeza de que, no caixão lacrado, estava o corpo de Manoel.
Por ocasião do processo de exumação e identificação de Emmanuel Bezerra dos Santos, o mesmo foi feito a Manoel, uma vez que ambos foram mortos e sepultados no mesmo local. Seu irmão não quis receber seus restos mortais, que, então, foram colocados no Ossário Geral do Cemitério de Campo Grande, com a presença de amigos e entidades.
Dois meses depois das mortes do PCR, o policial Luiz Miranda “retribuiu” ao delegado Sérgio Fleury o que a repressão de São Paulo fizera pela de Pernambuco, rec??? ?R?ebendo os militares presos da Ação Popular, José Carlos da Mata Machado e Gildo Macedo Lacerda, que foram torturados e mortos no Recife.
Há informações nos processos indicando que Manoel Lisboa e Emmanuel Bezerra não participaram do atentado contra o marechal Costa e Silva. Em 1966, Emmanuel Bezerra era estudante e morava em Natal, onde se encontrava no dia da ação. E Manoel Lisboa, na hora do ocorrido, estava trabalhando no escritório da Carne, no Recife velho.
Os três casos foram reconhecidos por unanimidade pela Comissão
Especial (7 x 0).
Projeto Rua Viva
Em novembro de 1994, o programa Especial de Cidadania e Direitos Humanos (PECDH) da Prefeitura de Maceió criou o Projeto Rua Viva, inspirando-se em projeto semelhante idealizado em 1993 pelo vereador de Belo Horizonte, Betinho Duarte, e homenageou os mortos e desaparecidos políticos alagoanos, entre eles Manoel Lisboa de Moura, denominando ruas da cidade com seus nomes.
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