
Cena de Santiago (2006)UAI - Seu último filme – Santiago (2006) – demorou 14 anos para ser
lançado e só foi montado depois que você mudou o foco e se expôs, se incluindo e incluindo a
figura do cineasta no filme. Como foi este processo até chegar à montagem final?
JMS - Quando eu comecei a trabalhar, sabia muito pouco sobre documentário, como muitos da
minha geração. Não havia uma discussão viva sobre o cinema na década de 1980, principalmente
sobre documentário. Não havia bibliografia, não era possível nem ler e nem ver os filmes, já que
não eram lançados comercialmente.Então, a gente começou a trabalhar - digo nós porque eu e
algumas pessoas que começaram a fazer documentário na época - como um cego num quarto
escuro. Sem saber direito o que estávamos fazendo e, muitas vezes, reinventando a roda.E,
quando você começa a fazer documentário sem saber direito o que é documentário, tem a
impressão de que tudo é um grande tema. Se você tem um tema, tem um filme. A forma é dada.
E que forma é essa?
A tradicional, com narração em terceira pessoa, entrevista, trilha-sonora, etc. O documentário é
aquele objeto audiovisual em que você diz para a plateia aquilo que ela não sabe, como um vídeo-
pedagógico.Fui trabalhando, vendo filmes, os livros começaram a ser publicados, e comecei a
perceber que documentário não era isso. Podia ser isso também, mas certamente havia uma
crítica muito grande sobre esse cinema. E Santiago é um pouco o resultado de tudo aquilo que
pensei e sobre os quinze anos que fiz documentário.Santiago era um lugar apropriado para
pensar o documentário porque, em parte, o fato de ter tentado fazer o filme, aos 30 anos, e não
ter conseguido, dizia respeito à maneira como fiz o filme naquela época.Fiz o filme imaginando
que ele seria montado da forma tradicional, com entrevista, narração em terceira pessoa, trilha-
sonora, e por alguma razão isso não funcionava. O personagem que resultava dali era
extraordinariamente artificial, não era a pessoa que eu conhecia.E posso dizer que, nesses quinze
anos, eu passei de um documentarista que achava que o importante era saber, e portanto dizer
ao entrevistado o que eu sei, a um documentarista que acha que o mais importante é não saber
bem, ter dúvida. Eu não faço documentário para dizer o que sei, mas para tentar descobrir as
lacunas, perceber no mundo tudo aquilo que eu não sei sobre ele. Santiago critica um cinema da
certeza. E, por isso, é um filme que fala muito para dentro. Agora, a questão da exposição já é
outra história. Como o filme é sobre a casa em que eu cresci, a pessoa com quem convivi muito
tempo, era importante que eu fizesse parte. Em 1995, quando tentei montá-lo, eu não era parte
do filme, que era só sobre o Santiago. Eu me dei conta que esse filme não existia, que eu tinha
que aparecer, e aparecer da maneira como aquele encontro se deu naqueles cinco dias. Com
aquela impaciência, e ao mesmo tempo carinho, afeto, querendo contar as histórias, mas da
maneira como eu julgava que ele deveria contar. Documentário é, principalmente, pensar sobre o
que é um documentário. Isso é essencial. Não é um tema, mas a maneira de se retratar um tema.
A maneira de contar a história, a forma.
UAI - No início dos anos 1990, você morou um ano no Quênia ensinando pessoas a fazerem
vídeos e editarem, numa época em que os equipamentos eram muito caros. Hoje em dia, com a
evolução tecnológica, todo mundo tem um câmera, que seja no celular, e pode publicar seus
vídeos na internet. O que você acha disso?
JMS - Eu acho isso muito bom, sempre. As pessoas falam muito do boom do documentário
brasileiro, no qual eu não acredito. Eu não acho que a gente viva num momento particularmente
nem bom, nem ruim. Agora, eu acho que de fato, tem muito mais documentários sendo
produzidos, porque os meios de produção se democratizaram.Quando eu comecei a filmar, na
década de 1980, uma câmera custava 200, 300 mil dólares, e você precisava pegar uma que
pertencesse a TV Globo, a TV Manchete, precisava estar ligado a uma grande rede de televisão
para poder filmar com uma câmera profissional. E editar, nem se fala. Os equipamentos eram
mesas que custavam um milhão de dólares, e só as grandes redes de televisão tinham isso.Hoje,
você compra uma câmera com 800, mil reais, faz seu filme, edita no laptop e publica na rede.
Portanto, qualquer um pode fazer um filme, quase não há barreiras. E, como tem muita gente
fazendo, a chance de aparecer alguma coisa boa é muito maior, uma questão de estatística.A
mesma coisa vale para o jornalismo. E não sou um grande leitor de blog, mas acho que é um
suporte que tem alguns vícios. O primeiro é o da primeira pessoa, as pessoas falando de si
mesmas. Nada contra falar de si, mas você não pode achar que tudo que fala sobre si mesmo seja
interessante. Os blogs são um pouco um exercício de se olhar no próprio umbigo, coisa e tal. E a
segunda coisa é a proliferação da opinião, é muito barato dar opinião. Você pode dar opinião sobre
a guerra do Iraque da sua casa, isso é fácil, o difícil é ir até o Iraque e ver a guerra, entende?
Você pode dar uma opinião sobre a violência urbana sem sair e ver o que ela é. Então, o risco
deste tipo de jornalismo é a preguiça, é o fato de você apurar na internet e não olhar mais na cara
das pessoas, não sair para ver.Uma das coisas da Piauí (revista da qual é editor) é o seguinte:
nada será escrito se alguém não tiver visto com os próprios olhos. Não se apura na internet na
Piauí. Tudo que é publicado é fruto de uma apuração in loco, e isso para gente é fundamental.
Ao lado de Eduardo Coutinho, João Moreira Salles é um dos expoentes no cinema documentário
brasileiro. Começou a carreira na década de 1980, incentivado pelo irmão Walter Salles, mas
traçou um caminho diferente. Enquanto Walter escolheu a ficção, ele optou por retratar o mundo
real.
João Moreira Salles concedeu esta entrevista no início de novembro, quando passava por Belo
Horizonte para uma palestra sobre a revista Piauí. Além de falar de seus filmes, sobre a
linguagem do documentário, ele também deu uma notícia ótima para Belo Horizonte. Como
presidente do Instituto Moreira Salles, garantiu que as exposições continuarão vindo para a
capital mineira, apesar do prédio ter sido fechado em outubro.
"Eu não tenho acompanhado as negociações, mas o que posso garantir é que as exposições do Instituto Moreira Salles, que no fim é o que conta, continuarão vindo para Belo Horizonte do
mesmo modo, e provavelmente no mesmo edifício. O prédio será cedido em comodato para uma
instituição, cujo nome não posso revelar, porque ainda não está sacramentado no papel. Essa
instituição cuidará do espaço, e haverá um andar para as exposições do Instituto Moreira Salles.
Então, a rigor, o IMS não foi embora, se você entender o IMS não a instituição, mas as
exposições. Estas continuarão vindo do mesmo modo. Pra quem visita, não vai mudar nada."
UAI - Em Notícias de uma guerra particular (1999), você retrata a relação entre policiais,
traficantes de drogas e moradores no Morro Dona Marta, no Rio. Já em Entreatos (2004), você
acompanha quarenta dias da campanha de Lula antes do primeiro mandato. Duas realidades que,
após seus documentários, foram retratadas pelo cinema de ficção. Você acha que, de alguma
forma, seus filmes influenciaram outros cineastas?
João Moreira Salles - Não, eu não acho que sou um visionário não (risos). É sempre mais fácil
chegar antes com o documentário do que com a ficção. Por várias razões, mas uma razão
principal é da maneira prática, concreta. Você quer fazer um documentário? Junte três amigos,
um carro, uma câmera e pronto, você está apto a fazer um filme. Você não precisa captar, você
não precisa ter elenco, não precisa ter produtor de elenco, cenógrafo, não precisa ter roteiro.
Você não precisa ter nada disso, entende.Quando tem um assunto no ar, é mais fácil chegar antes
com uma equipe de documentário do que com a de ficção.É evidente que o cinema da violência
urbana e ficcional iria acontecer, independentemente do Notícias de uma guerra particular. O
documentário pode ter indicado um caminho, uma maneira de abordar o tema, mas o cinema de
ficção existiria, sem dúvida nenhuma.A questão do Lula, talvez seja um pouco espantoso que o
filme exista com ele ainda no poder, mas essa é uma outra questão. A trajetória de Lula, goste-se
dele ou não, é extraordinária e é evidente que isso se tornaria um filme de ficção.O meu é apenas
um retrato de 40 dias de campanha. É sobre o Lula, claro, mas também sobre como se faz uma
campanha no Brasil, e como foram especificamente aqueles quarenta dias. Não é biográfico, não
traça a historia do Lula.. Se isso ocorre naturalmente nas conversas, está no filme, mas isso não
ocorreu em nenhum momento. Portanto, isso não é dito no filme. Você não assiste Entreatos para
saber de onde ele veio, onde ele nasceu, se ele foi para São Paulo ou não foi, com que idade
.UAI - E hoje, como você vê essas duas realidades, dez anos depois de Notícias de uma guerra
particular e já caminhando para o último ano do mandato de Lula na presidência?
JMS - No caso de Notícias de uma guerra particular, as pessoas me perguntam se eu teria algum
interesse em fazer um novo filme sobre este assunto. Eu não tenho o menor interesse em fazer
um novo filme, em primeiro lugar porque não gosto de voltar para um lugar onde já estive, e em
segundo porque o filme não seria diferente, porque realmente acho que nada mudou. O problema
continua de pé e, essencialmente, mudou muito pouco.No caso do Lula, é claro que mudou e é
evidente que mudaria. Eu filmei o Lula antes do poder, e o poder muda. A realidade opera sobre
a pessoa. Eu diria que os quarenta dias que antecederam a eleição de Lula eram os quarenta dias
do princípio do prazer. Tudo uma imensa utopia, um imenso sonho. Eu vi comícios com 300 mil,
400 mil pessoas, que estavam ali diante do sonho. E é claro que o sonho jamais se realiza, e não
se pode realizar. Não se pode cobrar isso.Se você se lembra do filme, ele acaba com o Lula se
afastando da câmera e sendo engolido pela imprensa. É a primeira vez que ele aparece
publicamente, porque o filme optou por mostrá-lo apenas em situações privadas. Ele se afasta e é
engolido pelo público, pela imprensa, e, para mim, essa é a imagem do "Bom, agora começa o
princípio da realidade". Agora é a vida real com todos os seus obstáculos, seus impedimentos,
suas impossibilidades, suas seduções. Tudo aquilo que no sonho não existe. O sonho pode tudo.
Seção : Cinema - 24/11/2009 17:12
O olhar para o mundo de João Moreira Salles
Em entrevista, cineasta fala sobre seus documentários e afirma que as exposições do Instituto Moreira Salles continuarão a vir para Belo Horizonte
Silvia Dalben - Portal UAI
lançado e só foi montado depois que você mudou o foco e se expôs, se incluindo e incluindo a
figura do cineasta no filme. Como foi este processo até chegar à montagem final?
JMS - Quando eu comecei a trabalhar, sabia muito pouco sobre documentário, como muitos da
minha geração. Não havia uma discussão viva sobre o cinema na década de 1980, principalmente
sobre documentário. Não havia bibliografia, não era possível nem ler e nem ver os filmes, já que
não eram lançados comercialmente.Então, a gente começou a trabalhar - digo nós porque eu e
algumas pessoas que começaram a fazer documentário na época - como um cego num quarto
escuro. Sem saber direito o que estávamos fazendo e, muitas vezes, reinventando a roda.E,
quando você começa a fazer documentário sem saber direito o que é documentário, tem a
impressão de que tudo é um grande tema. Se você tem um tema, tem um filme. A forma é dada.
E que forma é essa?
A tradicional, com narração em terceira pessoa, entrevista, trilha-sonora, etc. O documentário é
aquele objeto audiovisual em que você diz para a plateia aquilo que ela não sabe, como um vídeo-
pedagógico.Fui trabalhando, vendo filmes, os livros começaram a ser publicados, e comecei a
perceber que documentário não era isso. Podia ser isso também, mas certamente havia uma
crítica muito grande sobre esse cinema. E Santiago é um pouco o resultado de tudo aquilo que
pensei e sobre os quinze anos que fiz documentário.Santiago era um lugar apropriado para
pensar o documentário porque, em parte, o fato de ter tentado fazer o filme, aos 30 anos, e não
ter conseguido, dizia respeito à maneira como fiz o filme naquela época.Fiz o filme imaginando
que ele seria montado da forma tradicional, com entrevista, narração em terceira pessoa, trilha-
sonora, e por alguma razão isso não funcionava. O personagem que resultava dali era
extraordinariamente artificial, não era a pessoa que eu conhecia.E posso dizer que, nesses quinze
anos, eu passei de um documentarista que achava que o importante era saber, e portanto dizer
ao entrevistado o que eu sei, a um documentarista que acha que o mais importante é não saber
bem, ter dúvida. Eu não faço documentário para dizer o que sei, mas para tentar descobrir as
lacunas, perceber no mundo tudo aquilo que eu não sei sobre ele. Santiago critica um cinema da
certeza. E, por isso, é um filme que fala muito para dentro. Agora, a questão da exposição já é
outra história. Como o filme é sobre a casa em que eu cresci, a pessoa com quem convivi muito
tempo, era importante que eu fizesse parte. Em 1995, quando tentei montá-lo, eu não era parte
do filme, que era só sobre o Santiago. Eu me dei conta que esse filme não existia, que eu tinha
que aparecer, e aparecer da maneira como aquele encontro se deu naqueles cinco dias. Com
aquela impaciência, e ao mesmo tempo carinho, afeto, querendo contar as histórias, mas da
maneira como eu julgava que ele deveria contar. Documentário é, principalmente, pensar sobre o
que é um documentário. Isso é essencial. Não é um tema, mas a maneira de se retratar um tema.
A maneira de contar a história, a forma.
UAI - No início dos anos 1990, você morou um ano no Quênia ensinando pessoas a fazerem
vídeos e editarem, numa época em que os equipamentos eram muito caros. Hoje em dia, com a
evolução tecnológica, todo mundo tem um câmera, que seja no celular, e pode publicar seus
vídeos na internet. O que você acha disso?
JMS - Eu acho isso muito bom, sempre. As pessoas falam muito do boom do documentário
brasileiro, no qual eu não acredito. Eu não acho que a gente viva num momento particularmente
nem bom, nem ruim. Agora, eu acho que de fato, tem muito mais documentários sendo
produzidos, porque os meios de produção se democratizaram.Quando eu comecei a filmar, na
década de 1980, uma câmera custava 200, 300 mil dólares, e você precisava pegar uma que
pertencesse a TV Globo, a TV Manchete, precisava estar ligado a uma grande rede de televisão
para poder filmar com uma câmera profissional. E editar, nem se fala. Os equipamentos eram
mesas que custavam um milhão de dólares, e só as grandes redes de televisão tinham isso.Hoje,
você compra uma câmera com 800, mil reais, faz seu filme, edita no laptop e publica na rede.
Portanto, qualquer um pode fazer um filme, quase não há barreiras. E, como tem muita gente
fazendo, a chance de aparecer alguma coisa boa é muito maior, uma questão de estatística.A
mesma coisa vale para o jornalismo. E não sou um grande leitor de blog, mas acho que é um
suporte que tem alguns vícios. O primeiro é o da primeira pessoa, as pessoas falando de si
mesmas. Nada contra falar de si, mas você não pode achar que tudo que fala sobre si mesmo seja
interessante. Os blogs são um pouco um exercício de se olhar no próprio umbigo, coisa e tal. E a
segunda coisa é a proliferação da opinião, é muito barato dar opinião. Você pode dar opinião sobre
a guerra do Iraque da sua casa, isso é fácil, o difícil é ir até o Iraque e ver a guerra, entende?
Você pode dar uma opinião sobre a violência urbana sem sair e ver o que ela é. Então, o risco
deste tipo de jornalismo é a preguiça, é o fato de você apurar na internet e não olhar mais na cara
das pessoas, não sair para ver.Uma das coisas da Piauí (revista da qual é editor) é o seguinte:
nada será escrito se alguém não tiver visto com os próprios olhos. Não se apura na internet na
Piauí. Tudo que é publicado é fruto de uma apuração in loco, e isso para gente é fundamental.
Ao lado de Eduardo Coutinho, João Moreira Salles é um dos expoentes no cinema documentário
brasileiro. Começou a carreira na década de 1980, incentivado pelo irmão Walter Salles, mas
traçou um caminho diferente. Enquanto Walter escolheu a ficção, ele optou por retratar o mundo
real.
João Moreira Salles concedeu esta entrevista no início de novembro, quando passava por Belo
Horizonte para uma palestra sobre a revista Piauí. Além de falar de seus filmes, sobre a
linguagem do documentário, ele também deu uma notícia ótima para Belo Horizonte. Como
presidente do Instituto Moreira Salles, garantiu que as exposições continuarão vindo para a
capital mineira, apesar do prédio ter sido fechado em outubro.
"Eu não tenho acompanhado as negociações, mas o que posso garantir é que as exposições do Instituto Moreira Salles, que no fim é o que conta, continuarão vindo para Belo Horizonte do
mesmo modo, e provavelmente no mesmo edifício. O prédio será cedido em comodato para uma
instituição, cujo nome não posso revelar, porque ainda não está sacramentado no papel. Essa
instituição cuidará do espaço, e haverá um andar para as exposições do Instituto Moreira Salles.
Então, a rigor, o IMS não foi embora, se você entender o IMS não a instituição, mas as
exposições. Estas continuarão vindo do mesmo modo. Pra quem visita, não vai mudar nada."
UAI - Em Notícias de uma guerra particular (1999), você retrata a relação entre policiais,
traficantes de drogas e moradores no Morro Dona Marta, no Rio. Já em Entreatos (2004), você
acompanha quarenta dias da campanha de Lula antes do primeiro mandato. Duas realidades que,
após seus documentários, foram retratadas pelo cinema de ficção. Você acha que, de alguma
forma, seus filmes influenciaram outros cineastas?
João Moreira Salles - Não, eu não acho que sou um visionário não (risos). É sempre mais fácil
chegar antes com o documentário do que com a ficção. Por várias razões, mas uma razão
principal é da maneira prática, concreta. Você quer fazer um documentário? Junte três amigos,
um carro, uma câmera e pronto, você está apto a fazer um filme. Você não precisa captar, você
não precisa ter elenco, não precisa ter produtor de elenco, cenógrafo, não precisa ter roteiro.
Você não precisa ter nada disso, entende.Quando tem um assunto no ar, é mais fácil chegar antes
com uma equipe de documentário do que com a de ficção.É evidente que o cinema da violência
urbana e ficcional iria acontecer, independentemente do Notícias de uma guerra particular. O
documentário pode ter indicado um caminho, uma maneira de abordar o tema, mas o cinema de
ficção existiria, sem dúvida nenhuma.A questão do Lula, talvez seja um pouco espantoso que o
filme exista com ele ainda no poder, mas essa é uma outra questão. A trajetória de Lula, goste-se
dele ou não, é extraordinária e é evidente que isso se tornaria um filme de ficção.O meu é apenas
um retrato de 40 dias de campanha. É sobre o Lula, claro, mas também sobre como se faz uma
campanha no Brasil, e como foram especificamente aqueles quarenta dias. Não é biográfico, não
traça a historia do Lula.. Se isso ocorre naturalmente nas conversas, está no filme, mas isso não
ocorreu em nenhum momento. Portanto, isso não é dito no filme. Você não assiste Entreatos para
saber de onde ele veio, onde ele nasceu, se ele foi para São Paulo ou não foi, com que idade
.UAI - E hoje, como você vê essas duas realidades, dez anos depois de Notícias de uma guerra
particular e já caminhando para o último ano do mandato de Lula na presidência?
JMS - No caso de Notícias de uma guerra particular, as pessoas me perguntam se eu teria algum
interesse em fazer um novo filme sobre este assunto. Eu não tenho o menor interesse em fazer
um novo filme, em primeiro lugar porque não gosto de voltar para um lugar onde já estive, e em
segundo porque o filme não seria diferente, porque realmente acho que nada mudou. O problema
continua de pé e, essencialmente, mudou muito pouco.No caso do Lula, é claro que mudou e é
evidente que mudaria. Eu filmei o Lula antes do poder, e o poder muda. A realidade opera sobre
a pessoa. Eu diria que os quarenta dias que antecederam a eleição de Lula eram os quarenta dias
do princípio do prazer. Tudo uma imensa utopia, um imenso sonho. Eu vi comícios com 300 mil,
400 mil pessoas, que estavam ali diante do sonho. E é claro que o sonho jamais se realiza, e não
se pode realizar. Não se pode cobrar isso.Se você se lembra do filme, ele acaba com o Lula se
afastando da câmera e sendo engolido pela imprensa. É a primeira vez que ele aparece
publicamente, porque o filme optou por mostrá-lo apenas em situações privadas. Ele se afasta e é
engolido pelo público, pela imprensa, e, para mim, essa é a imagem do "Bom, agora começa o
princípio da realidade". Agora é a vida real com todos os seus obstáculos, seus impedimentos,
suas impossibilidades, suas seduções. Tudo aquilo que no sonho não existe. O sonho pode tudo.
Seção : Cinema - 24/11/2009 17:12
O olhar para o mundo de João Moreira Salles
Em entrevista, cineasta fala sobre seus documentários e afirma que as exposições do Instituto Moreira Salles continuarão a vir para Belo Horizonte
Silvia Dalben - Portal UAI
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