quinta-feira, 26 de novembro de 2009

DITADURA MPF/SP - MOVE AÇÃO CONTRA EX - CHEFES DO DOI - CODI



Na ação, o MPF diz que Exército é responsável por sigilo indevido de documentos do Doi-Codi de

São Paulo e pede que ex-chefes do órgão sejam pessoalmente responsabilizados por tortura,

mortes e desaparecimentos.

O Ministério Público Federal em São Paulo ajuizou ontem, 14 de maio, ação civil pública contra a

União e os dois ex-comandantes do Destacamento de Operações de Informações do Centro de

Operações de Defesa Interna (Doi-Codi) do II Exército, em São Paulo, no período de 1970 e

1976, os militares hoje reformados Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos

Maciel.

O Doi-Codi era o principal órgão centralizador de informações para a repressão à oposição política

durante o regime militar e se transformou num dos principais locais de prática de tortura,

perpetração de homicídios e desaparecimentos forçados em toda a história do país

.Segundo a publicação “Direito à Memória e à Verdade”, da Presidência da República, lançada

ano passado, houve 64 casos de mortes e desaparecimentos pelos agentes do Doi-Codi de São

Paulo no período em que Ustra e Maciel o comandaram.

Entre as vítimas estão o jornalista Vladimir Herzog, em 1975, e o operário Manoel Fiel Filho, em

1976 (veja a lista completa acessando a inicial da ação).

Na ação, o MPF busca aplicar no Brasil conceitos já pacíficos no âmbito da Organização das

Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA) em relação a autores de

crimes contra a humanidade.

A ação foi distribuída à 8ª Vara Federal Cível de São Paulo, sob o número 2008.61.00.011414-5.

Nela, os seis procuradores e procuradoras da República que assinam a petição, requerem:

1) O reconhecimento do dever das Forças Armadas de revelar o nome de todas as vítimas do

Doi/Codi de São Paulo (não apenas de homicídio e desaparecimento, uma vez que o órgão deteve

mais de sete mil cidadãos), circunstâncias de suas prisões e demais atos de violência que

sofreram, bem como tornar públicos todos os documentos relacionados ao funcionamento do

órgão;

2) A declaração de que Ustra e Maciel comandaram um centro de prisões ilegais, torturas,

homicídios e desaparecimentos forçados no Doi-Codi de São Paulo;

3) Que Ustra e Maciel sejam obrigados a reembolsar à União os custos das indenizações, pagas

na forma da Lei 9.140/95 (lei de mortos e desaparecidos políticos), às famílias das 64 vítimas

daquele destacamento durante a gestão dos demandados;

4) Que ambos sejam condenados a não mais exercerem qualquer função pública.Por enquanto,

as únicas pessoas físicas demandadas na ação são Ustra e Maciel, em virtude de ambos terem

figurado no topo da cadeia hierárquica do órgão repressor, permitindo sua identificação imediata.

Os demais agentes envolvidos serão demandados em outras ações, esclarecem os autores, na

medida em que forem identificadas suas condutas.

Além disso, o comandante do II Exército no período, Ednardo D´Avilla Mello, e o subcomandante

do Doi, capitão Dalmo Cirillo, que poderiam figurar na ação de regresso, já morreram.

A ação é cível e não implica condenação penal.

Para os procuradores da República Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, Marlon Alberto Weichert,

Adriana da Silva Fernandes, Luciana da Costa Pinto, Sergio Gardenghi Suiama e Luiz Fernando

Gaspar Costa, que assinam a ação, “a mera passagem institucional de um governo de exceção

para um democrático não é suficiente para reconciliar a sociedade e sepultar as violações a

direitos humanos ocorridos no bojo de conflitos armados ou de regimes autoritários”.

Para tanto, é necessária a aplicação de princípios da justiça transicional, que prevêem: o

esclarecimento da verdade (abrindo os arquivos estatais relacionados);

a realização da justiça, mediante a responsabilização dos violadores dos direitos humanos;

e a reparação das vítimas.

Somente com a aplicação desses três princípios - verdade, justiça e reparação - alcança-se o

objetivo da não-repetição.

Para os autores, as medidas de justiça transicional previnem a ocorrência de novos regimes

autoritários, pois demonstram à sociedade que estes atos não podem ficar impunes.

Cerca de 30 mil pessoas foram presas ilegalmente ou torturadas durante o regime militar

brasileiro.

Para os autores, a impunidade dos crimes da ditadura é um estímulo aos torturadores do

presente.

Histórico –

O Ministério Público Federal em São Paulo atua pela implementação de medidas para a

consolidação do regime democrático após o regime militar, desde 1999. Naquele ano, a

Procuradoria da República em São Paulo instaurou inquérito civil público para apurar a extrema

demora na identificação das vítimas da repressão, cujos restos mortais foram exumadas no

Cemitério de Perus, em 1990.

Duas ossadas já foram identificadas por meio do trabalho do MPF: as de Flávio Molina e Luiz

Cunha.

Nesse procedimento, o MPF deparou com o amplo desrespeito a direitos fundamentais, seja pela

falta de informações sobre as circunstâncias das mortes e das ocultações de cadáver, seja pela

inexistência de responsabilização dos agentes públicos autores desses graves delitos.

O Brasil não instituiu até hoje mecanismos de apuração dos fatos, como uma Comissão da

Verdade, por exemplo.

Em 2005, a ONU recomendou que o país tornasse públicos os documentos relevantes sobre o

período e considerasse a responsabilização dos crimes cometidos durante a ditadura.

O Brasil não implementou as medidas necessárias e o procurador-geral da República, Antonio

Fernando de Souza, notificou o presidente Lula, por meio de recomendação, em novembro de

2006, sobre o fim do prazo dado pelas Nações Unidas

.Em 2007, o governo brasileiro publicou o livro “Direito à Memória e à Verdade”, que o MPF

destaca na ação como um valioso avanço.

Entretanto, a publicação demonstra que nem mesmo as autoridades civis de direitos humanos do

governo conhecem o conteúdo de documentos que seriam indispensáveis para restituir a

verdade.

Nesse sentido, o MPF realizou em maio de 2007 o Debate Sul-Americano sobre Verdade e

Responsabilidade, em São Paulo, que reuniu juristas do Brasil, Peru, Chile e Argentina.

O evento apontou, na Carta de São Paulo, “a grave omissão da Justiça e do governo brasileiros

para cumprir as obrigações constitucionais e internacionais de promoção dos direitos humanos na

transição do período de ditadura para o democrático”.

Após o evento, o professor Fábio Konder Comparato representou ao MPF em São Paulo para que

fossem adotadas medidas visando a aplicação do dever de regresso pelo Estado brasileiro contra

os causadores dos danos que geraram o pagamento das indenizações previstas na Lei 9.140/95.

A representação, associada à publicação do livro “Direito à Memória e à Verdade”, foram

elementos decisivos para a propositura da ação ajuizada ontem.

Na representação, Comparato afirma que a “ação de regresso contra o agente causador do dano é

um dever do Estado”.

Segundo o professor de direito da USP, apesar do elevado gasto com indenizações pagas pela

União e por vários estados da federação, nenhuma ação regressiva foi “intentada contra os

agentes ou funcionários causadores dos danos assim ressarcidos com dinheiro público”

Marcelo Oliveira
Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República em São Paulo

ascom@prsp.mpf.gov.br

11-3269-5068

15/5/2008 17h28

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